Ninguém pode levar nossos filhos embora e colocá-los em perigo, certo? Mas é o que as big techs vêm fazendo. A provocação é do psicólogo social Jonathan Haidt e serve de ponto de partida para seu mais novo livro A geração ansiosa.
Aos 60 anos, o professor da Stern School of Business, da Universidade de Nova York, prova com pesquisas científicas recentes e dados concretos o subtítulo da obra: a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais.
Lançado no Brasil pela Companhia das Letras, A geração ansiosa é de tirar o fôlego de tão assustador.
“Na virada do milênio, as empresas de tecnologia sediadas na costa oeste dos Estados Unidos criaram produtos que mudaram o mundo e aproveitaram o rápido crescimento da internet”, observa Haidt.
Havia, afirma ele, um sentimento amplamente partilhado de tecno-otimismo: as inovações tornariam a vida de todos mais fácil, divertida e produtiva. “Parecia provável que seriam uma bênção para o número crescente de democracias emergentes”, escreve ele.
A década de 1990 chegava e parecia o início de uma nova (e promissora) era. “Os fundadores dessas empresas foram aclamados como heróis, gênios e benfeitores globais que, tal como Prometeu, trouxeram presentes dos deuses à humanidade”, afirma o autor.
O impacto maior, no entanto, foi nos pequenos. “Crianças e adolescentes assistiam muita televisão desde a década de 1950, mas as novas tecnologias eram muito mais portáteis, personalizadas e envolventes do que qualquer coisa que veio antes”, lembra o psicólogo.
“Aquilo era seguro?”
O autor cita a própria família como exemplo, quando, em 2008, seu filho de apenas dois anos “aprendeu” que, para mudar a interface do iPhone, bastava tocar e deslizar a tela: “Muitos pais ficaram aliviados ao descobrir que um smartphone ou tablet poderia manter uma criança alegremente envolvida e tranquila durante horas”.
Aquilo era seguro? “Ninguém sabia, mas, como todo mundo estava fazendo isso, todos presumiram que devia estar tudo bem”. Não estava.
As empresas realizaram pouca (ou nenhuma) investigação séria sobre os efeitos dos seus produtos na saúde mental de crianças e adolescentes e não partilharam quaisquer dados com os pesquisadores que estudavam os efeitos das novas tecnologias.
Em fevereiro passado, em audiência no Senado americano, Mark Zuckerberg, dono da Meta, controladora do Facebook e do Instagram, pediu desculpas a famílias cujos filhos foram prejudicados pelas redes sociais.
O primeiro presidente do Facebook, Sean Parker, já em 2017, em um evento da plataforma Axios, foi direto sobre as intenções dos empreendedores do Vale do Silício ao criar esses aplicativos.
“Como podemos consumir o máximo possível de seu tempo e atenção? Precisamos dar a você, de vez em quando, um pouco de dopamina [a substância cerebral do prazer], por meio de curtidas e comentários…. E isso fará com que você contribua com mais conteúdo. É um ciclo de feedback de validação social… Você está explorando uma vulnerabilidade da psicologia humana”, disse ele. “Só Deus sabe o que isso está fazendo com o cérebro de nossos filhos.”
Os resultados estão aí.
Infância do brincar X infância do celular
Enquanto as ferramentas emergentes avançavam, os índices de distúrbios psiquiátricos entre crianças e adolescentes subiam assombrosamente. A incidência de depressão grave aumentou, como cresceram também os transtornos de ansiedade, os episódios de automutilação e os registros de suicídio.
As meninas são as principais vítimas. “Bem mais do que para os rapazes, a adolescência normalmente aumenta a autoconsciência delas sobre a mudança do corpo e amplifica as inseguranças sobre onde elas se enquadram na sua rede social”, explica o especialista.
Nas redes sociais, especialmente no Instagram, elas se expõem e submetem sua aparência física “às métricas rigorosas das curtidas e comentários”, como o autor.
A geração ansiosa de Haidt é a geração Z, nascida entre 1995 e 2009 — a primeira a passar pela puberdade, com um smartphone em mãos. Os representantes mais velhos do grupo entraram na adolescência em que quatro tendências tecnológicas convergiam.
Primeiro veio iPhone, em 2007, e a disseminação da internet de banda larga. Dois anos depois, as mídias sociais, com suas curtidas, retuítes e compartilhamentos, passaram a ser a régua para os jovens e, em 2010, os celulares foram equipados com câmera frontal dos smartphones, o que recrudesceu ainda mais a submissão ao julgamento de terceiros.
A “infância baseada no brincar” vinha em declínio desde a década de 1980, mas foi arruinada e substituída pela “infância baseada no celular” a partir do momento em que os smartphones popularizaram a hiperconectividade , alerta Haidt.
As crianças perderam tempo de brincar, de conversar ou mesmo fazer contato visual com os amigos e parentes. Elas foram privadas da capacidade de perceber o mundo e afastadas das rotinas sociais tidas como essenciais para um desenvolvimento saudável.
Entre os primeiros adolescentes da geração Z, a revolução tecnológica 4.0 aconteceu em um momento (natural) de reconfiguração cerebral, a maior desde a primeira infância.
Como já demonstrado há muito tempo por médicos e pesquisadores, tudo o que acontece na puberdade causa mudanças estruturais duradouras no cérebro.
As provas agora disponíveis sobre os malefícios da hiperconectividade são suficientemente perturbadoras para justificar uma ação, defende Haidt. Incisivo, ele diz: as medidas se fazem urgentes para salvar vidas.
Para enfrentar o problema, o psicólogo propõe duas ações. A primeira vem da necessidade de instrumentos mais robustos de controle das mídias sociais, o que cabe ao poder público e às grandes companhias de tecnologia.
A segunda abordagem deve acontecer dentro das famílias. Para que funcionem, ambas as medidas devem ser adotadas em conjunto. São elas:
1. Inibir o acesso a smartphones antes do 14 anos. Nessa fase, permitir apenas os telefones básicos, sem acesso à internet.
2. Coibir o uso das redes sociais antes dos 16 anos.
3. Proibir os celulares no ambiente escolar, do ensino fundamental ao médio.
4. Estimular a autonomia das crianças, por meio de brincadeiras e jogos que promovam a interação social.
Os pais, diz Haidt, deveriam agir como uma espécie de jardineiros, cultivando as condições ideais para que as crianças floresçam e se tornem adultos livres, autoconfiantes e preparados psicologicamente para enfrentar os desafios das vida real — que, sabemos, não são poucos nem pequenos.