Havia um lugar, no topo de um platô de basalto, onde a vida parecia uma (eterna) festa. A 400 metros de altura, por ali, flanavam artistas, intelectuais e a alta sociedade brasileira. Música, cinema, exposições, boate, gastronomia de qualidade… o Laje de Pedra vibrava.
Debruçado sobre o Vale do Quilombo, na cidade gaúcha de Canela, o hotel foi inaugurado em 1978. Até meados da década de 1990, era um dos quatro mais elegantes e badalados do país — ao lado do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro; o Tropical, em Manaus; e o Cataratas, em Foz de Iguaçu.
No início dos anos 2000, porém, com a crise financeira da Habitasul, dona do empreendimento, o Laje de Pedra entrou em decadência. O glamour perdido começaria a ser recuperado em 2020.
Empresário do mercado imobiliário, o paulista José Paim, de 71 anos, conhecia o hotel desde jovem. De família gaúcha, fora levado pelo pai. O então engenheiro recém-formado se encantou pela exuberância da natureza e pela atmosfera efervescente do Laje de Pedra.
Quando, anos mais tarde, Paim soube da venda do hotel, convidou José Ernesto Marino Neto, do setor hoteleiro, e Márcio Carvalho, da área de arquitetura e arte, para se juntarem a ele na compra. O negócio foi fechado em R$ 52 milhões — mais participação do resultado, o que, hoje, eleva o preço para cerca de R$ 180 milhões.
E, a cereja do bolo: o trio de sócios conseguiu trazer para o projeto o grupo alemão Kempinski. Fundada em 1897, em Berlim, a marca hoteleira de alto luxo mais antiga da Europa ficará responsável pelas operações em Canela.
“O Kempinski não é simplesmente uma rede, mas uma ‘coleção de hotéis, cada um com sua essência”, define Paim, em conversa com o NeoFeed. “Luxo é poder experimentar a cultura local, de maneira sofisticada.”
Tom, Chico e os presidentes do Mercosul
Em tempos de exacerbação das riquezas, refinamento das tecnologias e novos modelos econômicos, o futuro do Laje de Pedra promete ser ainda mais exclusivo, requintado e globalizado. Preservando-lhe, porém, o brilho do passado.
Paim, Marino Neto e Carvalho zelam pela herança do hotel. Eles, por exemplo, fizeram questão de conservar a arquitetura do prédio. De autoria do gaúcho Edgar Graeff, foi concebida a partir de esboços do modernista Oscar Niemeyer.
Tão comentado e frequentado pelas elites cultural, política e econômica; em alguns momentos, a história do hotel ajuda a contar a história do Brasil.
Entre 1981 e 1983, o Laje de Pedra sediou o Festival Nacional do Disco. Durante os três dias de celebração, seus corredores e salões eram tomados pelo suprassumo da MPB. Milton Nascimento, Marina Lima, Nara Leão, Martinho da Vila, Alcione, Nelson Gonçalves, Erasmo Carlos, Gonzaguinha, Lulu Santos, Roberto Carlos, Belchior…
Foi lá que, em 1986, Tom Jobim e Chico Buarque compuseram a versão instrumental da música Anos Dourados, tema de abertura da minissérie homônima. Tom estava hospedado no hotel para seu primeiro show em terras gaúchas. E Chico acompanhava Marieta Severo ao festival de cinema de Gramado, ali do lado.
“Com mais tempo para se verem do que no Rio de Janeiro, os amigos aproveitaram a ocasião para trocar ideias sobre a música numa suíte do bloco B”, lê-se no livro Laje de Pedra — Origens.
Seis anos depois, o hotel recebeu os presidentes do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai e o ministro de Relações Exteriores do Chile para a assinatura do tratado de formação do Mercosul.
A riqueza das minúcias
Do passado para o presente, o agora Kempinski Laje de Pedra Hotel & Residences é o primeiro empreendimento da companhia alemã na América do Sul.
Meticulosos, os alemães cuidam de tudo. Da seleção e treinamento dos funcionários ao modelo dos eletrodomésticos (todos, claro, made in Germany); das portas antirruídos dos apartamentos, para o hóspede não ouvir nenhum barulho vindo de fora, ao ângulo de inclinação das venezianas das janelas, em consonância com o movimento do sol.
Os investimentos no novo Laje de Pedra estão calculados em R$ 800 milhões, com um Valor Geral de Vendas (VGV) estimado em R$ 1,75 bilhão.
A revitalização e restauração está a cargo do escritório Perkins&Will São Paulo — o projeto é um dos vencedores do LIV Hospitality Design Awards 2023. Já os ambientes são assinados pela arquiteta paulistana Patricia Anastassiadis.
Quatro donos
Com tamanhos entre 54 metros quadrados e 230 metros quadrados, as 351 unidades funcionam como residências, para, no mínimo, quatro pessoas. Apenas uma parte delas (80, nas contas de Paim) se destinará à hotelaria.
As demais estão à venda — ou inteiras ou em frações. No modelo de propriedade compartilhada, o apartamento é dividido em quatro cotas, a partir de R$ 900 mil. E, cada “sócio” tem o direito de usar a propriedade por 13 semanas, no ano.
“Quem tem três meses de férias? Ninguém”, provoca Paim. “Quem compra uma segunda ou terceira casa usa, no máximo, um mês por ano, mas paga o valor cheio do imóvel e tem de arcar com todo o custo da manutenção.”
No Kempinski Laje de Pedra, o “condomínio cheio” não sai por menos de R$ 9 mil, podendo chegar ao dobro disso. Dividido por quatro, não fica tão pesado – para o público-alvo do hotel gaúcho, então… não é nada.
“E isso inclui todas as despesas: limpeza, eventuais consertos e a renovação de todo o apartamento, a cada sete anos, como é praxe nos hotéis Kempinski”, lembra o empresário.
Os apartamentos “inteiros” custam entre R$ 4 milhões e R$ 14 milhões. Como diz Paim, caso o dono queira alugá-lo, a rentabilidade prevista é de 12%.
Exclusivo ou fracionado, o proprietário de uma Kempinski Residence tem a possibilidade de se inscrever na plataforma ThirdHome. Fundada em 2010, pelo empresário americano Wade Shealy, é uma empresa global de troca de casas de luxo.
Por “casas”, entenda-se também apartamentos, estúdios, vilas, castelos e iates. São 15 mil opções espalhadas pelo mundo.
“Isso abre as portas para propriedades magníficas, nos lugares mais espetaculares e exclusivos, para utilizar o ano todo, quando e quantas vezes quiser”, diz Paim.
Com vista para o vale
Para a primeira fase do projeto, está prevista a venda de 130 unidades. Dos R$ 560 milhões estimados para a etapa, os empreendedores já chegaram a pouco mais de R$ 400 milhões. Os apartamentos mais caros, defronte para o Vale do Quilombo, esgotaram.
O sucesso do empreendimento entre os milionários brasileiros levou o metro quadrado da pequena Canela ao topo dos mais caros do Brasil — R$ 98 mil.
Mas, para Paim, o dado traz em si “comparações injustas”. “Quem compra uma das menores unidades (ou uma fração dela) está comprando bem mais do que apenas 54 metros quadrados”, defende o empresário.
E ele completa: “Está comprando também 12 mil metros quadrados de áreas sociais, com quatro piscinas aquecidas, academia, cinco restaurantes e bares, spa, teatro, galeria de arte, centro de convenções…”