A Olimpíada vai começar e Paris ainda não se livrou de sua “cicatriz” mais horrorosa

A Olimpíada vai começar e Paris ainda não se livrou de sua


PARIS Um dos maiores orgulhos de Paris é o fato de a capital francesa manter sua arquitetura praticamente intocada desde a grande reforma urbana do século 19, quando a cidade foi completamente redesenhada a mando do imperador Napoleão III e ganhou a cara que tem hoje.

Mas existe uma exceção. No mesmo horizonte em que se vê a Torre Eiffel, o Panteão, a Catedral de Notre-Dame e outros cartões-postais mundialmente famosos, destaca-se também o edifício Montparnasse, o único e o mais odiado arranha-céu de Paris.

Em 2016, a Ensemble Immobilier Tour Maine-Montparnasse (EITMM), proprietária do prédio, lançou um concurso para refazer a fachada do prédio. O objetivo era encontrar um projeto que conseguisse “encaixar” o edifício na paisagem de Paris.

Pelos planos iniciais, a obra deveria terminar a tempo de apresentar o novo Montparnasse na Olimpíada 2024. Mas, a menos de um mês do início dos jogos, Paris segue com aquela “cicatriz” horrenda, como definem os moradores da cidade. Agora, o prazo para entrega da reforma é 2028.

O atraso é justificado, em parte, pelo desafio de realocar milhares de pessoas que trabalham diariamente, no espigão de aço e vidro.

Erguido em 1973, o prédio comercial de 210 metros de altura é como um monólito de janelas pretas, desproporcionalmente alto.

Com 59 andares de escritórios, o edifício já teve entre seus inquilinos os presidentes François Mitterrand (1916-1996), Jacques Chirac (1932-2019) e Emmanuel Macron.

Projetado por Jean Saubot, Eugène Beaudouin, Urbain Cassan e Louis de Hoÿm de Marien, era para ser o mais moderno de Paris e servir a uma nova geração de empresários, que despontava nos anos 1970.

Naquela época, o pensamento vigente era o de que a cidade precisava atualizar sua arquitetura e adequá-la aos novos tempos. No entanto, mesmo antes da conclusão da obra, o edifício, autorizado pelo então presidente Georges Pompidou (1911-1974), já despertava indignação e repulsa.

O “trauma” foi tanto que, quatro anos depois de sua construção, a Câmara Municipal de Paris proibiu novos prédios com mais de 37 metros de altura.

A melhor vista

Os parisienses são historicamente conhecidos por se oporem a grandes mudanças na aparência da cidade. A Torre Eiffel foi recebida com muitas críticas quando ficou pronta para a Expo Paris de 1889. Mais recentemente, na década de 1980, a famosa pirâmide de vidro do Museu do Louvre também não escapou de protestos; tida como muito “radical”.

A ira em torno do arranha-céu, portanto, não é um caso isolado. A diferença é que a revolta da opinião pública não abrandou com o passar do tempo.

Piada antiga, mas ainda em voga:  o mirante do prédio tem a melhor vista de Paris porque é o único lugar da capital onde não se vê o Montparnasse. E o preço para não enxergá-lo é de € 24, por pessoa.

Com 210 metros de altura, o arranha-céu é como um monólito de janelas pretas, desproporcionalmente alto (Crédito: Reprodução sortiraparis.com)

Construído na década de 1970, o edifício destoa na paisagem de Paris

O observatório no topo do prédio oferece uma das vistas mais bonitas da cidade, como essa do Arco do Triunfo. E, também porque de lá não dá para ver o Montparnasse, zombam os parisienses (Crédito: Reprodução tourmontparnasse56.com)

No projeto de reforma, o topo do prédio será transformado em estufa verde. Para tanto, será necessário acrescentar mais 15 metros à altura da construção — o que já suscita nova polêmica (Crédito: Divulgação/Nouvelle AOM)

Os parisienses são historicamente conhecidos por se oporem a grandes mudanças na aparência da cidade, cuja arquitetura se mantem praticamente intocada desde a grande reforma urbana no século 19

Os moradores da capital francesa definiram a pirâmide de vidro em frente ao Museu do Louvre como “radical” demais (Crédito: Reprodução getyourguide.com)

Mais de 700 escritórios de arquitetura do mundo inteiro participaram do concurso lançado pela EITMM, em 2016, com um orçamento de € 300 milhões. A disputa foi vencida pelo Nouvelle AOM (“Novo Montparnasse”, em francês), um consórcio de três escritórios sediados em Paris, criado especificamente para “maquiar” o edifício.

O impacto socioambiental da obra também é um ponto de inflexão. Muitas associações reclamam das consequências da remodelação para o ambiente, os moradores e trabalhadores do bairro homônimo onde o prédio está localizado.

Nos anos 1970, o Montparnasse era considerado o mais alto arranha-céu da Europa. Até hoje, a única construção de Paris que supera, em altura, a Torre Eiffel, com 330 metros.

Vidraças transparentes e estufa

No projeto do Nouvelle AOM, o primeiro passo para tornar o Montparnasse menos isolado e indiscreto será substituir as 7,2 mil janelas pretas e opacas por vidraças claras e transparentes.

Segundo os arquitetos responsáveis pela reforma, o inimigo arquitetônico da cidade se transmutará em “ícone da revolução energética do século 21”, com um sistema de painéis solares, que deve fornecer metade da energia usada para iluminar o edifício.

Já no lugar do famoso observatório localizado topo prédio será criado uma imensa estufa verde, também aberta ao público — mais uma polêmica, porque para isso, será necessário elevar a altura do prédio em 15 metros.

Outra mudança prometida é fazer com que o Montparnasse deixe de ser um prédio apenas de escritórios para ganhar outros espaços como hotéis, restaurantes e lojas.

O intuito é atrair os parisienses que têm virado as costas para o edifício há mais de 50 anos.

“O redesenho provoca uma mudança da opacidade para a transparência, ao mesmo tempo que novos usos transformarão a torre num lugar animado e próspero, devolvendo-a assim aos parisienses”, escrevem os arquitetos, na apresentação do projeto.

Quem sabe até a Olimpíada de Los Angeles, em 2028, Paris finalmente se veja livre de sua “cicatriz” mais horrorosa — e odiada.



Fonte: Agência Brasil

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