O que uma bicentenária instituição suíça viu no Brasil para buscar US$ 5 bilhões

O que uma bicentenária instituição suíça viu no Brasil para buscar US$ 5 bilhões


A Suíça é conhecida como o centro financeiro do mundo. Com mais de 235 bancos (o que dá um para cada 37 mil habitantes) -, muitos deles são centenários e conhecidos pela sua capacidade na gestão patrimonial transnacional.

Nessa lista está o grupo financeiro Mirabaud, fundado em 1819 em Genebra e com CFH 31,2 bilhões de em ativos sob gestão (US$ 34,4 bilhões).

Embora tenha ajudado a desenvolver o sistema financeiro local e a criar a primeira bolsa de valores de Suíça, o Mirabaud mantém seu capital fechado e com controle da família que dá nome ao banco.

Além do clã Mirabaud, existem quatro sócios no negócio: Alain Baron, responsável pela operação no Oriente Médio e norte da África; Andrew Lake, head de renda fixa; Anu Narula, head de global equities; e o brasileiro Thiago Frazão.

“Existe uma lacuna para atender clientes ultra-high net worth globalizados que não querem estar em bancos ou em plataformas de distribuição de produtos no Brasil”, diz Frazão.

Head de wealth management Latam, Frazão mora há mais de 15 anos na Suíça e há 12 anos está no Mirabaud. Ele liderou a expansão da instituição financeira para a América Latina em 2019, que tem a região – e principalmente o Brasil – como parte estratégica para o crescimento de longo prazo.

A filial em São Paulo foi aberta em 2019, oito anos depois da chegada em Montevidéu. Além dessas cidades, o banco focado em asset management, wealth management e corporate finance, está presente em 17 cidades na Europa (entre elas, Londres, Luxemburgo, Paris, Madrid, Barcelona, Valência, Sevilha e Milão) e também com em Montreal, Dubai e Abu Dhabi.

Hoje, o banco possui US$ 2,5 bilhões sob aconselhamento no Brasil (de um total de US$ 4,5 bilhões na América latina), juntando as operações onshore e offshore, e deseja dobrar esse tamanho em até cinco anos.

Em passagem pelo Brasil para visitar investidores, Frazão concedeu esta entrevista exclusiva ao NeoFeed para explicar os planos do grupo suíço por aqui e por que acredita que há espaço para crescer no País mesmo tendo um mercado tão competitivo.

Qual é o potencial do mercado brasileiro?
Por volta de 2018, vimos que não podíamos atender o País tão distante e em 2019 abrimos um escritório em São Paulo. Mas logo veio a Covid-19 e mudou um pouco o plano. Decidimos iniciar investindo em pessoas, bons profissionais. Acredito que existe uma lacuna para atender clientes ultra-high net worth globalizados que não querem estar em bancos ou em plataformas de distribuição de produtos no Brasil. Queremos capturar esse cliente.

Há uma meta de crescimento para o Brasil?
Hoje temos no total US$ 2,5 bilhões sob aconselhamento, sendo que onshore temos R$ 1 bilhão (menos de US$ 200 milhões). Nosso objetivo é dobrar de tamanho nos próximos 12 meses no mercado local. E olhando para um prazo mais longo, pelo tamanho do mercado aqui e do nicho que queremos atacar, acreditamos que podemos ter US$ 5 bilhões no total em um prazo de três a cinco anos.

Por que muitos bancos estrangeiros vieram para o Brasil olhando esse potencial, mas não ganharam tração e desistiram?
Falta uma compreensão do mercado brasileiro. E acredito que só tendo de fato brasileiros como altos executivos, como no meu caso, para entender isso. O Brasil tem um imenso home bias, não é como o resto da América Latina, como na Argentina, em que 80% do dinheiro está no exterior, ou como um Uruguai e Chile, que também têm muito dinheiro fora. O Brasil é o país da renda fixa, sim. Mas aqui ao mesmo tempo tem um mercado muito sofisticado. Tem investidor que procura coisas diferenciadas, faz seed de venture capital, tem bastante patrimônio ilíquido. E nós temos esse perfil de customização e de pensar em deals diferenciados. Temos bastante interesse nesse investidor.

“O Brasil é o país da renda fixa, sim. Mas aqui ao mesmo tempo tem um mercado muito sofisticado”

Mas há uma explicação sobre o porquê outros não conseguiram?
Pode ser o caso de outros grandes bancos de capital aberto que vieram para cá, que olham as coisas mais como ganho de escala. Querendo ou não, são obrigados a dar resultados trimestrais para os acionistas, diferente de nós, que somos um banco familiar. E quem chega no Brasil sem pensar no longo prazo de verdade não tem chance.

Por quê?
Os bancos brasileiros são muito bons e têm alta penetração no mercado. É uma competição difícil que se demora a vencer. E os gringos que não têm de fato uma visão de longo prazo para Brasil, basta o diretor que montou a operação mudar de área ou sair do banco que o projeto Brasil morre. A gente quer ser rentável, mas não temos um acionista nos pressionando todo semestre por resultado.

Mas os estrangeiros põem a culpa no home bias. Como o Brasil não quer investir no exterior, eles perdem o diferencial competitivo.
Isso também é verdade. Mas, de novo, quem quer investir, investe em ter uma operação onshore também. É o que estamos fazendo. Queremos cuidar do cliente no Brasil como um family office, buscando o que há de melhor em qualquer plataforma de investimento. E contratamos pessoas especialistas aqui para fazer isso, hoje são 14 pessoas no Brasil, e estamos de olho em talentos. Queremos ser uma casa one-stop-shop, e não especialista em investimento internacional como outros players globais aqui no Brasil.

Como vocês veem esse processo de internacionalização dos investimentos no Brasil?
Acredito que está evoluindo. Antes o investimento era apenas de jurisdição. Mandavam dinheiro para fora para investir em ativos brasileiros no exterior em dólar. Hoje, investem em empresas internacionais, mas apenas nos EUA e nas muito grandes, como Apple e Facebook, e no tema de tecnologia. Sinceramente não é preciso estar no offshore para investir no óbvio, dá para fazer isso daqui.

É preciso ter uma carteira verdadeiramente global e não “americanizada”?
A diversificação geográfica é necessária. Existem empresas muito boas e globais na Europa seguindo outras lógicas, como Louis Vuitton, que é luxo. A Ferrari, por exemplo, não tem automóvel americano com margem parecida. E são empresas também muito conhecidas aqui no Brasil, e que as pessoas entendem o negócio, mas estão fora por ficarem nos EUA. Tem também a ASLM, em semicondutores, que está menos em voga que uma Nvidia.

Como empresa estrangeira que decidiu investir no Brasil, quais são as dificuldades e os riscos pesados por vocês?
Essa questão fiscal que estamos vivendo assusta. Tudo bem aumentar a arrecadação, mas é preciso sinalizar quando isso acaba. Do jeito que está, o empresariado, as famílias, ninguém consegue prever qual vai ser de fato o seu resultado no ano que vem. Isso assusta e gera insegurança jurídica. E pensando como empresa estrangeira abrindo um negócio aqui, a complexidade tributária é uma grande questão. Tem empresa que desiste do Brasil e aposta mais em outro só por aí.

Mudanças estruturais, como a reforma tributária, animam?
A reforma tributária veio para melhorar isso, mas foi pouco ambiciosa e vai demorar muito para ter efeito. Mas é isso, apesar das dificuldades, acreditamos no potencial do Brasil e estamos aqui para o longo prazo.



Fonte: Agência Brasil

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