O ministro dos Transportes, Renan Filho, acredita que a ampliação e modernização da malha ferroviária brasileira só virá com aporte do governo ao setor privado nos projetos, pois o custo de construir uma ferrovia é proibitivo.
“É isso que vamos fazer, mas para isso preciso de mais dinheiro, usando o ativo público federal”, diz Renan Filho, em entrevista ao NeoFeed, concedida durante evento do grupo Esfera, realizado no fim de semana passado no Guarujá, litoral de São Paulo.
A malha ferroviária brasileira tem 30.653 km de extensão, dos quais 18,5 mil km se encontram ociosos, o que dá uma ideia do desafio do atual governo. “Ferrovia só anda com leilões mais modernos, garantindo um aporte ao setor privado para transformar o VPL negativo para um positivo”, afirma, referindo-se ao Valor Presente Líquido (VPL), fórmula para identificar o valor presente de pagamentos futuros.
O ministro tem uma estratégia muito clara para levantar esses recursos: obter entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões com a renegociação de concessões antecipadas fechadas pelo governo anterior, cujos valores obtidos a gestão atual considera muito abaixo do valor dos ativos.
Aos 44 anos, Renan Filho é um crítico mordaz das chamadas “ferrovias de papel” – projetos oriundos das autorizações ferroviárias do governo anterior que ainda não saíram do papel. O novo modelo é elogiado por especialistas para servir de alternativa às concessões, abrindo ao setor privado a possibilidade de construir e operar trechos sem a burocracia e controle do Estado.
Mas, dos 45 contratos de autorizações ferroviárias aprovados, que prometem R$ 241,14 bilhões em investimentos para explorar 12.546 km de trilhos, apenas dois começaram a sair do papel.
De acordo com o ministro, faltaram justamente aportes para o setor privado tocar projetos ferroviários, que demoram e são onerosos. “Como nos projetos do governo anterior o Estado nunca botava nada, eles não andaram”, diz Renan Filho.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
O senhor criticou recentemente o governo anterior, que prometeu investimentos bilionários para construir milhares de quilômetros de linhas férreas, mas a maioria dos projetos ainda está no papel. Por quê?
A resposta é bem simples: se os projetos não andam é porque ferrovia no mundo inteiro precisa de recurso público para deixar o VPL positivo. Em um investimento em infraestrutura pesada, como de ferrovia, para deixar o VPL positivo, é preciso ter um abatimento de capex colocado pelo Estado. Apenas por isso. Como nos projetos do governo anterior o Estado nunca botava nada, eles não andaram.
E agora: o cenário por acaso mudou?
Agora, eu não permiti que entregassem o ativo público federal como eles entregaram em renovação antecipada e estamos renegociando entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões, um valor maior que o Tesouro propõe para esse ano, que serão usados para aportes.
Não é muito dinheiro esses R$ 25 bilhões ou mais que virão da renegociação da antecipação de renovação das concessões ferroviárias feitas pelo governo anterior?
O que justifica o valor do ativo público federal proposto na renovação antecipada? Se o governo fosse construir hoje uma ferrovia como a de Carajás, gastaria R$ 60 bilhões. O contrato de concessão de Carajás com a Vale acabaria em 2027 e esses R$ 60 bilhões voltariam para o governo, para leiloar à iniciativa privada. Só que o contrato foi renovado antecipadamente, com outorga de R$ 600 milhões. É muito pouco.
Como o governo pretende usar esses R$ 25 bilhões ou mais para novos projetos?
A gente acredita que um aporte de 20% desse valor transforma um VPL negativo em positivo. Se isso for verdade em leilão, porque vai ter que ser verificado empiricamente em leilão, podemos levantar até R$ 125 bilhões para obras, desde que eu bote os meus R$ 25 bilhões. E aí você transforma só o que já tem.
“A gente acredita que um aporte de 20% desse valor transforma um VPL negativo em positivo. Se isso for verdade em leilão podemos levantar até R$ 125 bilhões para obras”
Por que o governo anterior não fez dessa forma?
Porque não queria fazer ferrovia, ele queria fazer a ferrovia de papel.
Desde o início do atual governo, quais projetos efetivamente saíram do papel?
Ferrovias são obras que demoram. Mas entregamos a Ferrovia Norte-Sul, em que o presidente Lula e a ex-presidente Dilma fizeram 90% das obras nos mandatos anteriores e os outros, somados, fizeram 10% – incluindo o ex-presidente José Sarney, que deu início ao projeto. A FICO, em Goiás, está andando e tem também a Transnordestina, ferrovia de R$ 7 bilhões que hoje já está com obra retomada, a qual estamos aplicando R$ 1 bilhão por ano. Esta semana vamos assinar contrato de R$ 350 milhões e investimentos públicos na FIOL, licitado pela Infra S/A.
O que falta para aumentar os investimentos?
Ferrovia só anda com leilões mais modernos, garantindo um aporte ao setor privado para transformar o VPL negativo para um VPLO positivo. É isso que vamos fazer, mas para isso preciso de mais dinheiro, usando o ativo público federal.
Como viabilizar esse avanço?
Vou dar o exemplo da compra de uma nova residência. O primeiro esforço é o de vender onde se vive, por um preço justo – o maior que puder obter para dar de entrada na casa nova – e pagar a diferença parceladamente. Para construir novas linhas, precisamos pegar as ferrovias que temos, valorizar o ativo, receber um dinheiro por ele, aplicar nas novas ferrovias e pagar a diferença. O que é que fizeram no passado? Pegaram as quatro mais produtivas ferrovias do Brasil e entregaram quase de graça.
Temos 18 mil quilômetros de ferrovias ociosas. Como recuperar esses ativos?
Não temos ferrovias ociosas, temos ferrovias ineficientes. Sabe aquele trem que passava nas cidades pequenas, andando a 10 quilômetros por hora? Pois bem, aquilo não concorre hoje nem com van, muito menos com caminhão. Por isso, o modelo quebrou, por obsolescência. Ficou obsoleto.
“Não temos ferrovias ociosas, temos ferrovias ineficientes. Sabe aquele trem que passava nas cidades pequenas, andando a 10 quilômetros por hora? Pois bem, aquilo não concorre hoje nem com van”
Por que essas ferrovias ociosas não podem ser reconstruídas?
Porque elas passam dentro das cidades. Hoje, o trem tem de andar com carga pesada a 80 km/h, se não ele não concorre com caminhão. Se o trem não andar 80, 70 km/h, o transportador prefere botar a carga no caminhão. O trem é cintura dura: ele só pega aqui e entrega ali. E o caminhão pega em qualquer canto e entrega em qualquer lugar. Você imagina a dificuldade dessa competição? Além disso, uma obra ferroviária custa bilhões de reais. Já um caminhão pode ser comprado financiado pelo Finame, no BNDES. O empresário paga pouco: compra e vai pagando ao longo do tempo. Aquele saudosismo é porque as ferrovias ficaram obsoletas, não conseguem mais competir.
O que é preciso então para construirmos ferrovias competitivas?
Para ter ferrovias adequadas, é preciso velocidade alta, o que exige várias outras coisas como unificar bitola e ter declividade máxima de 0,5% – se for superior a isso não se consegue engatar muitos trens. Sabe por que o Brasil fez mais ferrovias no Império do que na República?
Não, por quê?
Porque não havia carro. Economicamente as opções eram ir a pé, de carroça ou de trem. Quando surgiu o automóvel, nenhuma senhora de engenho preferia ir de trem do interior para a capital. Brasileiro gosta de andar de trem na Europa, mas se ele for rápido. Trem rápido aqui precisa do dinheiro do governo para equilibrar o VLP.
Muitos empresários do setor de cargas reclamam que o minério responde por 75% do que é transportado por ferrovias. Como aumentar a diversificação, incluindo estimular os concessionários a permitirem o direito de passagem?
É difícil liberar o direito de passagem nas ferrovias da Vale, por exemplo, porque ela utiliza 95% da capacidade. Então se for imposto direito de passagem na malha da empresa ou ela teria de diminuir a exportação de minério ou não autorizá-lo porque já usa toda a capacidade.
Por que quase 80% do que é transportado pela malha ferroviária é só minério?
É uma discussão interessante. Na verdade, é mais fácil rentabilizar uma ferrovia com minério. Equilibrar o VPL com o minério é mais tranquilo do que equilibrar uma ferrovia com carga geral, pois o transportador tem de ir atrás do fabricante de televisão ou de geladeira para botar na ferrovia, para trazer para o porto. Ferrovia serve, sobretudo, para levar para o porto. E o Brasil não é exportador de manufatura, e sim de commodities.