O presidente da Argentina, Javier Milei, bem que tentou. Mas sua estratégia de aproveitar a aprovação recente pelo Congresso argentino dos dois pacotes com os quais pretende reorganizar a economia argentina, a Lei de Bases e a Lei Ônibus, para avançar numa segunda fase de reformas do país sofreu dois contratempos simultâneos na segunda-feira, 8 de julho, um interno e outro externo.
No plano interno, Milei sofreu um baque com o anúncio da inflação de junho, que interrompeu um ciclo de queda constante desde a posse do presidente argentino. Do índice mensal de 25,5% em dezembro, a inflação foi caindo mês a mês até atingir 4,2% em maio – o menor indicador desde fevereiro de 2022.
Em junho, porém, subiu para 4,8% em Buenos Aires, a cidade mais populosa do país, índice puxado pela categoria habitação, que inclui água, eletricidade e gás, que aumentou 7,3% no mês. Em 2024, a inflação acumulada chegou a 89%, atingindo 272,7% na base anual.
A previsão do banco central é que a inflação mensal permaneça estagnada entre 4,5% e 5,5% para os restantes meses do ano, numa mostra de que as primeiras medidas para reduzir a inflação começam a dar mostras de esgotamento.
No plano externo, Milei decidiu boicotar a reunião de cúpula do Mercosul em Assunção, no Paraguai, em mais um movimento para espezinhar o presidente brasileiro Luiz Inacio Lula da Silva, com quem jamais se reuniu oficialmente, e o presidente boliviano Luis Arce, com quem se desentendeu recentemente e cujo país acaba de ser integrado ao Mercosul.
Foi a primeira vez que um presidente argentino não participa da cúpula do Mercosul sem justificativa relevante. Para marcar posição, Milei preferiu participar de uma conferência conservadora que era realizada em Santa Catarina, onde tirou fotos e discursou ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Sua ausência em Assunção, porém, foi muito criticada pelo presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e pelo anfitrião paraguaio Santiago Peña, únicos líderes conservadores regionais com quem Milei mantém boas relações.
“Não só a mensagem importa, o mensageiro é muito importante”, disse um contrariado Pou, afirmando que “todos os presidentes” do bloco deveriam estar na cúpula do Mercosul.
O presidente Lula também lamentou o clima político ruim no bloco. “Voltamos a ser uma região balcanizada e dividida, mais voltada para fora do que para si própria”, afirmou Lula em seu discurso. “Nunca nos deparamos com tantos desafios, seja no âmbito regional, seja em nível global.”
A intransigência da delegação argentina, chefiada pela ministra das Relações Exteriores, Diana Mondino, contra a ampliação do orçamento do bloco e outros tópicos irritou todos os chefes de Estado presentes.
Por fim, o embargo argentino a temas como gênero e Agenda 2030, o plano de sustentabilidade global das Nações Unidas, impediu o consenso para uma declaração final da reunião de cúpula.
Antes, Mondino havia sugerido uma “injeção de modernização e desregulamentação” do mercado comum, com a possibilidade de acordos de livre comércio com países ou blocos sem a necessidade de unanimidade dos seus quatro parceiros – proposta que vem sendo rejeitada pelo Brasil.
Nova fase
O isolamento externo nunca chegou a preocupar o presidente argentino. Os bons resultados macroeconômicos obtidos pelo país no primeiro semestre vinham animando Milei a dar prioridade para uma segunda fase de seu programa econômico.
Na sexta-feira, 5 de julho, o presidente argentino nomeou oficialmente o ex-chefe do banco central Federico Sturzenegger para comandar o novo Ministério de Desregulamentação e Transformação do Estado, com o objetivo expresso de reduzir ainda mais a presença do governo nacional e diminuir a burocracia.
O novo ministro foi o principal mentor e arquiteto por trás do projeto original de reformas estruturais de Milei, aprovado pelo Congresso na semana passada após seis meses de negociações que diluíram seus efeitos. Em sua nova função, Sturzenegger terá a tarefa de otimizar e modernizar a Argentina a fim de reduzir os gastos públicos e tornar a administração mais eficiente.
Além disso, Milei viajou de Florianópolis para Tucumán, onde na noite de segunda, 8, iria fechar um acordo com 16 governadores – um feito para um governo sem apoio no Congresso, onde detém apenas 15% das cadeiras, e pouca disposição de buscar diálogo com os governos regionais.
Para Elisabet Bacigalupo, economista-chefe da consultoria argentina ABECEB, o primeiro semestre de 2024 terminou deixando um saldo mais positivo do que o esperado, com redução do gasto fiscal e da desinflação.
“Nos primeiros 5 meses do ano, o setor público alcançou um excedente fiscal positivo de 0,4% do PIB, puxado por um ajustamento da despesa pública mais agressivo do que o previsto – e alguns atrasos nos pagamentos a fornecedores -, além da contribuição para a arrecadação feita pelos tributos vinculados ao comércio exterior”, diz Bacigalupo.
Segundo ela, o maior desafio no curto prazo é ajustar a taxa de câmbio. “Mas os anúncios oficiais após a promulgação da lei e do pacote fiscal pelo Congresso não conseguiram esclarecer completamente como se dará essa reforma, o que se vê no aumento significativo do risco-país, superior a 1.500 pontos”, acrescenta.
A economia argentina, no entanto, segue em recessão, com uma contração do PIB de 4% prevista para este ano. Para a economista argentina, porém, há sinais de melhora no horizonte. Milei vem restringindo drasticamente os gastos do governo e eliminando milhares de empregos no setor público. Também congelou projetos de obras públicas e cortou subsídios.
“Os indicadores parciais do nível de atividade e de consumo parecem começar a indicar que a economia atingiu um piso e deixou cair neste segundo trimestre, o que não deixa de ser uma boa notícia”, diz Bacigalupo.