Quem passa apressado pela rua Coronel José Eusébio, no bairro paulistano de Higienópolis, talvez não note o portão da travessa Dona Paula. A vila de casinhas de tijolinhos aparentes e com calçamento de paralelepípedos, construída no começo do século 20 e tombada pelo patrimônio histórico municipal, em 2012, ainda preserva ares de uma São Paulo que, em seus arredores, não existe mais.
Se à primeira vista tudo parece bucólico e parado no tempo, algumas das 72 casas da vila são portas para o que há de mais contemporâneo da arte brasileira. Desde 2020, galeristas, marchands e artistas descobriram o endereço e criaram ali um espaço de encontro em torno da produção artística nacional.
A mais nova “moradora” da Dona Paula é a galeria Zielinsky, com sede em Barcelona. Ali, no número 33, onde funcionava uma doceria, há cerca de duas semanas, o casal Ricardo e Carla Zielinsky abriu as portas da filial paulistana da casa catalã.
Nascidos em Porto Alegre, eles fizeram um caminho inverso da maioria dos galeristas brasileiros. Primeiro, Ricardo e Carla se firmaram no mercado internacional de arte, para, depois de 20 anos na Espanha, fincar raízes por aqui.
Durante esse período, a dupla ajudou a divulgar o trabalho de artistas contemporâneos ibero-americanos na Europa. O uruguaio Yamandu Canosa, por exemplo, está com a galeria desde o início do negócio.
Atualmente, os Zielinsky representam 20 artistas, de nove países: Argentina, Brasil, Colômbia, Espanha, Guatemala, Panamá, Peru, Portugal e Uruguai. Entre eles, a guatemalteca Sandra Monterroso e as brasileiras Romy Pocztaruk e Shirley Paes Leme.
O artista escolhido para abrir a sede paulistana da Zielinsky, Cláudio Goulart (1954-2005), tem uma história semelhante à dos galeristas. Gaúcho, Goulart se mudou ainda jovem para Amsterdã, na Holanda, onde viveu por 30 anos.
“A obra dele não é muito conhecida aqui no Brasil. O que tem muito a ver com a gente também”, diz Ricardo, em conversa com o NeoFeed. “Nós somos brasileiros, criamos a nossa galeria na Espanha, e estamos agora nos apresentando no cenário nacional com uma sede em São Paulo”.
A exposição é feita em parceria com a Fundação Vera Chaves Barcellos, responsável pela preservação da produção de Goulart. São 16 trabalhos em que ele experimentou diferentes meios: fotografia, vídeo e composições feitas com carimbos.
Seu trabalho toca em temas como a memória, além de criticar a visão eurocêntrica da arte e da sociedade latino-americana.
Estilo de vida
Por causa da tragédia imposta ao no Rio Grande do Sul pelas enchentes de maio, 10% do faturamento da galeria com a exposição será destinado a iniciativas para a recuperação do estado.
A ligação de Ricardo com a arte vem de família. Quando ele era criança, um de seus programas favoritos era visitar galerias, museus e exposições de arte com os pais. “Eu já pensava em trabalhar com arte desde adolescente. Mas, para mim, seria algo que faria na aposentadoria”, lembra.
Em 2004, o casal se mudou para Barcelona, onde Carla foi estudar arquitetura e Ricardo, MBA em gestão empresarial. Na cidade de Joan Miró e Antoni Gaudí, repleta de galerias, centros culturais e museus, o casal ficou ainda mais próximo do que considerava um hobby.
“Eu então me dei conta de que aquele era o momento”, conta Ricardo. “Ainda bem que eu não esperei, porque é um trabalho completamente oposto da aposentadoria. Exige uma dedicação de sete dias por semana, 24 horas por dia. É um estilo de vida, eu diria”.
O primeiro passo do galerista foi no mercado secundário — de revenda de obras de arte de artistas já reconhecidos. Ele montou, em 2011, o escritório Antic & Modern, onde vendia sobretudo produções espanholas.
Até então, Carla não tinha muito interesse nos negócios do marido. Depois da arquitetura, foi estudar moda.
Do secundário para o primário
Ao decidir migrar para o mercado primário, Carla se juntou ao marido na criação da Zielinsky em 2015. O foco do negócio é agenciar principalmente artistas contemporâneos ibero-americanos. Os primeiros nomes a entrarem para a nova galeria eram de frequentadores do escritório de arte de Ricardo, com quem criou laços de amizade, com Yamandu Canosa.
“No mercado secundário, tudo está estabelecido. Não é necessário criar um storytelling para o produto que está sendo vendido, nem estabelecer vínculos com o artista; trabalha-se com um produto”, explica ele. “No primário, trabalha-se com a criação viva. Não é apenas o produto final, mas também a carreira que está sendo construída. Essa é a grande diferença e o grande desafio.”
Para estabelecer esse relacionamento e apresentar o projeto da galeria no cenário global, o casal participa de feiras de arte nos dois continentes. São cerca de 10 eventos por ano.
A partir de agora, com uma sede física no Brasil, o trabalho deve ficar mais fácil. Quando, um colecionador brasileiro, durante a feira internacional de arte de Lisboa, comentou com Ricardo e Carla que havia vagado um espaço na Dona Paula, o casal viu ali uma oportunidade para a Zielinsky estrear em grande estilo no Brasil, na travessa mais artsy de São Paulo.