Ao longo dos últimos meses, o governo deu diversos sinais controversos que minaram a credibilidade fiscal do País e sua relação política com o Congresso.
O maior intervencionismo na Petrobras, a tentativa de interferência (inclusive em empresas privadas), a flexibilização do arcabouço fiscal, a elevação da meta fiscal de 2025 em diante, a judicialização da desoneração da folha de pagamentos e posterior emissão de MP para levantar recursos para compensá-la foram alguns desses eventos. Com isso, houve elevação da percepção de risco fiscal de médio prazo, com impactos significativos nos preços de ativos brasileiros e nas expectativas dos agentes.
Outro fator a reduzir a confiança tem sido a narrativa radicalizada “anti” ajuste das despesas públicas pelo presidente.
Para que um investidor opte por financiar a dívida brasileira, ou “emprestar” dinheiro para o governo, ele precisa acreditar que o governo conseguirá pagar a sua dívida no futuro. E os fundamentos dessa dívida vêm piorando. Isto é, o crescimento de longo prazo da economia é baixo no comparativo com outros emergentes, o juro real é alto e o estoque de dívida é elevado e crescente.
Neste sentido, é importante que seja apresentado um conjunto de regras capazes de forçar o governo a organizar as suas contas e pagar as suas dívidas no longo prazo, ou pelo menos, equilibrar a relação entre o estoque da dívida e o PIB. É para isso que o arcabouço fiscal, proposto pela equipe econômica do governo atual, existe.
Como dissemos anteriormente, as flexibilizações do arcabouço fiscal, medidas como a redução da meta fiscal dos próximos anos e a facilitação da aprovação de novos gastos extra orçamentários desiludem investidores e enfraquecem a capacidade do arcabouço de guiar as decisões de alocação de recursos do governo.
Uma outra preocupação dos agentes econômicos está no relacionamento entre o executivo e o Legislativo, algo que afeta diretamente o risco político e também fiscal. Isso acontece porque o custo de governabilidade de um executivo mal relacionado, ou sem apoio dos outros poderes, é maior. Assim, o risco político pode aumentar, uma vez que propostas tem menor probabilidade de serem aceitas e vetos correm o risco de serem derrubados.
Ou seja, a governabilidade é enfraquecida e as regras do jogo são alteradas e desalteradas. Esse tipo de risco está bem presente, dada a tentativa de alteração na regra de compensação de créditos tributários recente.
Paralelamente, nos últimos dois meses vimos no cenário externo até certa melhora (queda) nas taxas de juros de longo prazo nos EUA, variável crucial para determinar os preços de ativos de risco ao redor do mundo. De fato, fica claro que a piora recente dos preços dos ativos brasileiros está atrelada a fatores domésticos e não externos. Trata-se de uma alteração importante do que vimos nos primeiros quatro meses do ano, nos quais os ativos domésticos foram praticamente governados pela oscilação de preços das Treasuries americanas.
Em suma, a elevação do risco fiscal e político por conta dos sinais emitidos pelo governo nos últimos dois meses acabaram por imprimir uma forte depreciação da moeda brasileira (movimento que foi seguido pela bolsa e pelos juros futuros).
A taxa de câmbio é particularmente importante para a política monetária, pois impacta diretamente a projeção de inflação do modelo do Banco Central, o qual considera o câmbio médio das duas semanas que antecedem a reunião do Copom.
Também pressiona as expectativas de inflação dos agentes de mercado (Boletim Focus), na medida em podem revisar para cima as suas projeções de taxa de câmbio, com impacto nas projeções de inflação. Essas últimas também podem ser afetadas pela desancoragem das expectativas fiscais, acreditamos, inclusive, que uma parte da desancoragem adicional de expectativas de inflação está atrelada a essa piora do risco fiscal.
Exatamente quando houve a revisão para cima das metas fiscais pelo governo, o processo de desancoragem de expectativas de inflação do Boletim Focus foi intensificado. Outro elemento avaliado na condução da política monetária e que também foi afetado com a piora do risco fiscal é o balanço de riscos. O BC reconheceu que houve piora dos riscos domésticos e externos já no Copom de maio.
Em suma, vários elementos cruciais avaliados na condução da política monetária, a saber, a taxa de câmbio, o balanço de riscos e as expectativas de inflação foram afetados pela elevação recente do risco fiscal. Claro que estamos muito distantes de um quadro de “dominância fiscal”, porém, pode-se dizer, sim, que os desenvolvimentos recentes da política fiscal contribuíram para a interrupção do ciclo de afrouxamento monetário.
*Luiz Fernando Figueiredo, chairman da JiveMaua Investiments e ex-diretor do Banco Central; e Andrea Damico, economista-chefe da Armor Capital e CEO da Buysidebrazil