O futuro de luxo da antiga vila de pescadores de São Miguel de Milagres

O futuro de luxo da antiga vila de pescadores de São Miguel de Milagres


São Miguel dos Milagres — Logo na entrada do hotel Mahré, as recepcionistas distribuem toalhas refrescantes para colocar na nuca dos hóspedes. Um alívio para os recém-chegados da viagem de uma hora e meia de carro a partir de Maceió. Não há brisa. O que torna o mar azul turquesa no horizonte ainda mais convidativo.

São elas também que vão repetir a lenda de formação de São Miguel dos Milagres, cidade em que a empresária Maria Gil Galvão e a família investiram R$ 30 milhões para erguer o Mahré, o mais novo hotel de luxo no litoral norte de Alagoas.

Começa assim: um pescador teria resgatado uma imagem de São Miguel Arcanjo no mar, envolvida por algas e musgos. Ao lavá-la na fonte do povoado, a água que escorria do pedaço de madeira e respingava nas pernas curava as feridas do abençoado, conta a recepcionista Mariana Yasmim da Rocha. O fenômeno teria se repetido com vários moradores locais.

Foi essa história de pescador que rebatizou a então Freguesia de Nossa Senhora Mãe do Povo como São Miguel dos Milagres. Hoje, a “fonte milagrosa” é só um dos atrativos para viajantes do Brasil e da Europa. Ainda que muitos encham suas garrafinhas no pequeno santuário e se hidratem em busca de graças divinas.

O município alagoano é um dos três que compõe a Rota Ecológica, trecho de 23 quilômetros de praias, na Área de Proteção Ambiental da Costa dos Corais. Ao lado de Passo de Camaragipe e Porto das Pedras, integra o trecho de Charme (como define o ICMBio), com recifes, piscinas naturais, águas cristalinas e peixinhos coloridos. Tem tudo isso mesmo, sem exagero.

Com cenário paradisíaco e uma capela voltada para o mar na antiga “vila de pescadores”, Milagres se tornou um dos principais destinos de casamentos do país, embalado pelo banqueteiro Wanderson Medeiros.

E, desde a pandemia, quando foi “descoberta” por turistas brasileiros proibidos de viajar ao exterior, assiste a um boom imobiliário com a valorização de até 350% do metro quadrado.

“Um terreno de 8 metros por 15 metros que valia R$ 30 mil em 2018 passa de R$ 100 mil hoje. Praticamente não há mais terrenos nas mãos dos moradores originais”, diz, ao NeoFeed, Adelaide Matias, advogada imobiliária e dona da galeria de arte Armazém Rosa.

Há vários condomínios em construção, assim como a aberturas de pousadas e hotéis com restaurantes gastronômicos. No ano passado, por exemplo, o governo do estado anunciou incentivos fiscais para a construção do resort Mar Azul.

Trata-se de um investimento de R$ 78 milhões, do grupo Ekos Luxury, que tem pousadas em Fernando de Noronha. O modelo com 200 leitos, ainda inédito na região, enfrenta a resistência dos empreendedores locais receosos da muvuca futura.

“Misto quente sem presunto”

O Mahré é um oásis, com 30 suítes amplas entre 120 metros quadrados até 192 metros quadrados, todas com piscinas privativas e diárias que vão de R$ 3.036 a R$ 5.050. As acomodações são distribuídas numa área de 40 mil metros quadrados, entremeadas por coqueiros, lago e mangue.

O lugar foi concebido por Maria Gil junto ao escritório de arquitetura Agra e Lemos e construído com artesões locais. Grande parte do mobiliário foi feita numa marcenaria erguida na própria área do hotel. As emblemáticas luminárias de palha de ouricuri, típica da região, foram desenvolvidas por ela e um estúdio gaúcho.

“A obra do Mahré era para durar um ano e meio e durou o dobro por não ter contratado uma empreiteira. Mas eu queria ter a liberdade de mudar tudo até ficar como eu imaginava”, conta a empresária, em conversa com o NeoFeed.

No meio do processo recebeu a visita do arquiteto João Armentano, que estava em Milagres a passeio. Ele se encantou com o projeto e acabou sendo contratado para uma consultoria.

A capelinha na antiga vila de pescadores é hoje uma dos destinos de casamento mais procurados do Brasil

O Armazém Rosa já se tornou destino para colecionadores, interessados em peças como o boi, do artista Joãos das Alagoas

“A obra do Mahré era para durar um ano e meio e durou o dobro. Eu queria ter a liberdade de mudar tudo até ficar como eu imaginava”, conta Maria Gil Galvão (Crédito: Rui Nagae)

No Mahré, são 30 suítes amplas, entre 120 e 192 metros quadrados. Todas com piscina privativa (Crédito: Rui Nagae)

Grande parte do mobiliário do Mahré foi feita em uma marcenaria erguida na própria área do hotel (Crédito: Rui Nagae)

O restaurante Thaí é comandado pelo chef Rafa Gomes (Crédito: Rui Nagae)

O cardápio do Mahré prioriza a cultura e os ingredientes locais (Crédito: Rui Nagae)

“Estava empolgada com o sucesso de nossa outra pousada a Haya, que durante toda a pandemia teve 100% de ocupação. E quisemos sair na frente antes que outros grupos de luxo chegassem”, diz Maria Gil Galvão, sócia do Mahré

A gastronomia conta com a chefia executiva de Rafa Gomes, que comanda no Rio de Janeiro os premiados restaurantes Itacoa, Tiara e o bar Tintin.

Para tanto, além de visitas mensais ao lugar, o chef treinou uma brigada com cozinheiras locais (América Versoça de Paula e Lackitacia Pamella da Silva) que executam com perfeição até os pratos mais complexos.

“São pessoas dedicadas e que trabalham sempre sorrindo. Faço questão de respeitar a cultura e os ingredientes locais”, diz Gomes, ao NeoFeed.

Um exemplo? “Um dia um hóspede pediu um queijo quente e o garçom, para a surpresa do cliente, colocou um pedaço de queijo coalho grelhado na mesa”, conta Gomes.

“Queijo quente, como concebemos no Sudeste para eles é ‘misto quente sem presunto’. Quem viaja precisa se adequar a cultura do lugar e não o contrário.”

Além do restaurante Tahí, o chef cuida do cardápio dos três bares do Mahré, com menu de drinques exclusivos criados por Isadora Fornari. Também é dele o jantar-experiência em cinco tempos, oferecido na praia sob as estrelas. Em breve, ele inaugura ali um bar com parrilla de frutos do mar.

“Já cozinhei em vários hotéis do mundo. E digo com conhecimento que Milagres não deve nada a lugar nenhum. Muito menos em Seychelles onde venta tanto que não dá para comer nada na praia sem ser coberto de areia.”

Aberto há três meses, o hotel inaugura uma quadra de tênis no meio do ano, apesar de já contar com uma de beach tennis com equipamentos para os visitantes. O spa também está em construção e a bandeira ainda não está definida. Nas suítes, as amenities são Bulgari.

Investimentos em hospitalidade

O Mahré é o segundo empreendimento hoteleiro de Maria Gil na região, desta vez um hotel de alto padrão para atender ao público cada vez mais sofisticado que chega ao lugar. Seja pelos casamentos, seja pelo apelo das praias de areias brancas e silenciosas, sem ambulantes ou caixas de som.

“Estava empolgada com o sucesso de nossa outra pousada, a Haya, que durante toda a pandemia teve 100% de ocupação. E quisemos sair na frente antes que outros grupos de luxo chegassem”, diz ela.

O investimento de R$ 12 milhões, com a sócia Mirian Vital na Haya, “foi recuperado em pouco mais de um ano.” As duas já eram são sócias em uma loja de aluguel de móveis para eventos em Maceió, a Locatto.

E foi ao alugar móveis para casamentos na região que conheceram uma pousada inacabada. Decidiram comprar, restaurar e relançá-la como Haya. São 26 bangalôs também com piscinas privativas e um restaurante que se tornou destino com o chef Wanderson Medeiros.

Já com a Mahré, Maria Gil tem como sócia sua mãe Kaly Medeiros, dona de concessionárias de carro na Paraíba. “Mesmo sem tradição na área, decidimos aumentar nossos investimentos em hospitalidade. A região está expandindo e a inauguração do aeroporto de Maragogi vai facilitar o acesso do nosso público-alvo”, conta. O retorno do investimento é esperado entre cinco e dez anos.

Destino para colecionadores de arte

Milagres ainda não é Trancoso, na Bahia, onde o Quadrado reúne grifes e pousadas estreladas. Mas a vilinha charmosa do Marceneiro, próxima ao Mahré, começa a se encher de restaurantes simples e lojinhas de moda e design.

O grande destaque é o Armazém Rosa. Ali, a advogada Adelaide reúne obras de arte exclusivas de artesãos do Nordeste. Na fachada, um painel remete ao universo de xilogravuras de J.Borges, mas é de autoria da artista argentina Anabella Garcia, que decidiu se instalar há anos em São Miguel dos Milagres para “pintar no meio do mato”.

Adelaide transformou o antigo depósito de coco do vilarejo, numa galeria que reúne peças de João das Alagoas, Espedito Seleiro, Cida Lima, Sil de Capela, Marcos de Sertânia, entre outros.

O espaço já se tornou destino para colecionadores. Como ela diz: “O que que quero com a curadoria do trabalho destes artistas é colocar o mundo em Milagres e Milagres no mundo.”





Fonte: Agência Brasil

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