O investidor Gilberto Zancopé gosta de “caçar na savana” dois tipos de bichos: elefantes doentes e gazelas. Esse é o alvo do OrderVC, fundo que ele próprio criou com seu capital depois de vender duas empresas (Montana e Agres).
Focado em empresas de bens de consumo e com 17 empresas no portfólio, que inclui desde a WAP e Enova Foods (em que detém mais de 50%) e startups como Zerezes, La Guapa e Leads2B (em que é minoritário), o OrderVC, de Zancopé, já investiu R$ 250 milhões nesses ativos.
Elefantes doentes são empresas que precisam ir para a UTI para se recuperar. Nesse caso, Zancopé só faz cheques no qual possa assumir o controle. Gazelas, por sua vez, são animais leves e velozes, mas que precisam de apoio de capital e orientação. Em geral, startups em que fica com uma participação minoritária.
Mas há uma condição: tanto os elefantes doentes, como as gazelas, precisam estar em desordem. E, quando está no controle, Zancopé vai para a linha de frente e se transforma no CEO das empresas nas quais investe.
“Quando entram em desordem, no tempo, as empresas vão à falência. E as empresas tendem à desordem. Quem segura a ordem é o líder”, afirma ao NeoFeed Zancopé, autor de uma estratégia própria de gestão que batizou de teoria da ordem (as empresas precisam estar em ordem com a liderança, a sociedade, o mercado e o consumidor).
Em janeiro deste ano, Zancopé deixou o cargo de CEO da Enova Foods, empresa que é dona da marca Ki-Suco e da barra de cereal Enjoy. Desde então, ele passou a acumular os cargos de chairman tanto da Enova Foods, como da WAP, mais conhecida por suas lavadoras de alta pressão, e da Atlas, uma trading que vende exclusivamente gergelim.
Agora, ele está em busca de um novo elefante doente ou de uma gazela para que possa se tornar CEO. “Estou livre. Estou pronto para assumir outra empresa e estou buscando”, diz Zancopé, que se define como um outsider da Faria Lima.
O alvo são empresas de bens de consumo. Zancopé diz que está olhando diversos ativos, mas que até agora não encontrou nenhuma empresa que esteja em “desordem”. A razão pode ser porque o valor do cheque é alto demais. Ou, como ele mesmo diz, a empresa não seja turnarondável, o que indica que a reestruturação não será fácil
A tarefa de encontrar as empresas turnaroundáveis cabe ao italiano Fabrizio Roccia, que estava no Banco Modal (e já tinha trabalhado com Zancopé na venda de suas empresas) e foi contratado para ser o managing partner do OrderVC.
Roccia faz a originação, a parte legal, a negociação e o M&A. Zancopé, claro, participa da escolha do ativo. Mas a sua especialidade é entrar na operação para pilotar a empresa após o negócio fechado.
Uma “gazela” no Centro-Oeste
Enquanto não encontra um novo elefante doente ou uma gazela para ser CEO, Zancopé gasta, atualmente, 70% de seu tempo na Atlas, uma trading cuja sede fica em Canarana (MT), que ele comprou faturando R$ 35 milhões e, neste ano, deve alcançar R$ 500 milhões vendendo gergelim. “Eu morro de inveja de não ter tido essa ideia”, diz o investidor.
A ideia é simples. No Centro-Oeste, os agricultores plantam soja e milho. Mas chega uma época em que não podem plantar mais. E parte da terra fica nua. Neste intervalo, dá para semear o gergelim.
A Atlas buscou uma semente em Israel e incentiva os agricultores do Cerrado baixo, terras com até 700 metros de altitude, a plantar gergelim. Depois, ela compra, beneficia e vende a commodity.
E, embora tenha o controle, a Atlas não era um elefante doente. Zancopé, nesse caso, ajudou a montar a estrutura que pudesse suportar a estratégia de crescimento da empresa.
Dois “elefantes doentes”
Mas o que Zancopé gosta mesmo é de estar à frente de empresas com problemas. A WAP e a Enova Foods são dois exemplos de elefantes doentes em que o investidor pode colocar em prática a sua teoria da ordem.
A WAP foi comprada em um leilão judicial em 2006 por R$ 10 milhões. Até 2014, a companhia conseguiu ir bem, vendendo exclusivamente lavadoras de alta pressão para uso doméstico. Mas a crise hídrica levou a uma queda de 70% do faturamento e não restou alternativa a não ser recorrer a uma recuperação judicial no fim de 2015.
Zancopé diz que tirou duas lições dessa derrocada. A primeira é nunca depender de um único produto. A outra é não ter um único canal. “Quando a crise hídrica acabou, os varejistas me diziam que a sociedade aprendeu a viver sem esse produto e ficaram com preguiça de abrir a prateleira”, relembra.
A solução foi diversificar os produtos da WAP e apostar na venda digital. Mas não através de um site próprio, mas sim por meio de marketplaces. “Hoje, entre 70% e 80% da venda da WAP é digital”, afirma Zancopé.
Mas não foi só isso. A WAP usa dados para tentar antecipar o desejo dos consumidores, no que pode ser chamado de C2B (consumer-to-business): a WAP entende a demanda do consumidor, fabrica o produto, que é vendido via uma marketplace para um cliente final.
“É tudo baseado em dados e tecnologia”, disse Francco Marchetti, sócio da Pipo Capital, que é uma das investidores da WAP ao lado de Zancopé, em entrevista ao programa Café com Investidor, do NeoFeed. “Hoje, a companhia cresce 30%, 40% ao ano e está há quase uma década crescendo e aumentando a margem.”
Com essa estratégia, a WAP, que se tornou quase quase sinônimo de lavadoras de alta pressão, conseguiu reduzir a participação do produto para apenas 15% de seu faturamento. Os itens mais vendidos, nessa ordem, são robô aspirador, air fryer e equipamentos de som.
No ano passado, o faturamento chegou a R$ 1 bilhão. Em 2024, a estimativa é que alcance R$ 1,5 bilhão. No começo do ano, Zancopé diz que recebeu uma oferta de R$ 3,5 bilhões pela WAP e recusou. Seu plano para a empresa?
“Não tenho plano. O ideal é investir para sempre. O compound precisa de tempo. Investi R$ 10 milhões e o valuation é de 350 vezes o dinheiro investido. É muito excepcional.”
Na Enova Foods, comprada em 2020, a companhia enfrentava uma disputa entre os dois sócios que controlavam a empresa – os fundos Partners Group e o Alothon. Zancopé, pouco a pouco, foi comprando as fatias desses fundos. E, de cara, ajustou o canal comercial, que tinha uma política confusa entre a venda direta e a indireta.
Na WAP, a estratégia foi apostar no canal digital. Na Enova Foods, o plano foi fazer apenas venda indireta através de atacarejos e atacadistas. A empresa deve quase dobrar o faturamento neste ano para R$ 300 milhões e saiu de uma margem Ebitda negativa para uma margem positiva de 12%, segundo Zancopé.
Outsider da Faria Lima
Quando criou o OrderVC, em 2018, Zancopé vivia em Curitiba. Natural de Ortolândia, no interior de São Paulo, ele passou boa parte de sua vida na capital do Paraná.
Foram 22 anos à frente da Montana, uma empresa de máquinas agrícolas que vendeu por US$ 130 milhões, em 2014, para a KUHN Agricole, do grupo Bucher Industries, que tem capital aberto na bolsa de Zurique. Sua outra saída, por R$ 52 milhões, foi na Agres, uma startup de agricultura de precisão, em 2019.
Com o dinheiro, criou, primeiro, um family office, que acabou virando o OrderVC. “Achava que precisava mudar para a Faria Lima para fazer o fundo”, diz Zancopé. “Mas foi uma besteira.”
De acordo com Zancopé, um gestor de portfólio precisa de diversificação, está preocupado com a taxa de administração e tenta prever o futuro. “Tudo isso é legítimo, mas não é o que eu sou”, afirma Zancopé. “Eu sou um empreendedor. E não tem muito empreendedor na Faria Lima.”
O OrderVC foi construído para ficar concentrado em bens de consumo, não tem taxa de administração (afinal, o capital é todo de Zancopé) e não prevê o futuro. “O investidor planilheiro clássico está sempre querendo prever o futuro, o que é um desperdício de tempo”, diz.
Zancopé não tem planos de criar um fundo, nem de captar com terceiros. Mas quer trazer outros investidores, como family offices, para investir em conjunto com ele a partir de agora. A ideia é fazer cheques maiores. E encontrar elefantes ainda mais doentes. E gazelas cada vez mais leves.