Nós somos a única espécie ciente da própria finitude. A descoberta de que um dia morreremos, nós e nossas pessoas queridas, acontece ainda na infância. E a ideia é tão aterradora que a maioria não lembra do momento em que se tornou consciente do fim.
Mas o medo está lá e nos acompanha ao longo da vida. Alguns com mais veemência do que outros, buscamos uma forma de prolongar o prazo de validade de nossa existência.
E até que avançamos bastante. A longevidade é uma das grandes conquistas da humanidade. No começo do século 19, quem vivesse 35 anos teria vivido muito. Em um século e meio, a expectativa de vida dobrou e bateu a casa dos 62 anos. Hoje, a média mundial é de 73 anos – no Brasil, está em torno dos 76 anos.
Isso tudo graças à revolução da ciência do envelhecimento. Atualmente é possível destrinchar os processos pelos quais nossas células vão, ao longo do tempo, perdendo o vigor até o momento em que param de funcionar em sintonia, como um todo, e nós morremos — e não há nada que possamos fazer a respeito. Apesar dos progressos.
Mas será que um dia poderemos enganar o envelhecimento, as doenças e a morte? Mesmo que possamos, deveríamos? Quais são os custos sociais e éticos de tentar viver muito além dos padrões atuais?
Esse é o fio condutor do livro mais recente do biólogo molecular Venki Ramakrishnan, Why we die: The new science of aging and the quest for immortality (em tradução livre, Por que morremos: A nova ciência do envelhecimento e a busca pela imortalidade, ainda não lançado no Brasil).
Nascido em Chidambaram, na Índia, filho de pais cientistas, o autor anglo-americano, de 72 anos, ganhou, em 2009, o prêmio Nobel de Química. Junto com Thomas Steitz e Ada Yonath, ele desvendou a estrutura e a função dos ribossomos, as organelas celulares responsáveis pela produção de proteínas ¬— espécie de tijolos moleculares imprescindíveis à manutenção da vida, em todos os organismos: das bactérias aos seres humanos.
Ao longo das 320 página de Why we die, Ramakrishnan nos conduz a “uma jornada incrível”, como define o oncologista e escritor Siddhartha Mukherje, autor de O imperador de todos os males, de 2010, vencedor do prêmio Pulitzer, e mais recentemente de A canção de todas as células.
A nova obra é sobre a biologia molecular do envelhecimento e, como frisa frequentemente Ramakrishnan, um esforço para que o leitor conheça a base das investigações sobre o tema, de modo que, assim, ele possa distinguir o que é fato e o que é exagero.
“Os seres humanos são naturalmente ansiosos em relação à velhice e à morte, e essa ansiedade pode ser explorada economicamente”, diz o autor, em entrevista ao NeoFeed.
A cruzada anti-idade
Em uma sociedade pautada pelo culto à juventude, somos, a todo momento, bombardeados pela promessa de que, sim, é possível conter o envelhecimento.
Nos últimos dez anos, foram publicados, no mínimo, 3 mil artigos científicos sobre o assunto e cerca de 700 startups receberam montanhas de investimentos para encontrar “a chave contra a morte”.
Por “exagero”, o biólogo define as distorções da cruzada anti-idade, liderada em grande parte pelos bilionários da tecnologia — como o autor costuma brincar, a maioria composta por “homens de meia-idade, muitos deles casados com mulheres mais jovens, que podem comprar tudo, menos a juventude”.
De fato, os empresários do Vale do Silício são obcecados pela imortalidade. Aos 56 anos, Peter Thiel, cofundador do PayPal e da Palantir Technologies, por exemplo, não entende como alguém pode não querer viver para sempre. “Eu sou basicamente contra a morte e prefiro combatê-la”, diz, com frequência.
A ele se juntam Jeff Bezos, Sam Altman, Larry Ellison, Larry Page… Para o autor de Why we die, Bill Gates parece o mais sensato.
O cofundador da Microsoft busca melhorar a longevidade global investindo no combate à malária, ao vírus da Aids, ao câncer e à diarreia, entre outros males.
A velhice não é doença, postulou recentemente a Organização Mundial da Saúde (OMS). O câncer, a demência, a artrose e os distúrbios cardiovasculares são moléstias relacionadas ao envelhecimento.
Obviamente, o tempo impõe desgastes ao organismo, mas é possível ser velho e levar uma vida relativamente saudável e independente. Mas, aos narcisistas egocêntricos… ops, aos obcecados pela vida eterna, o biólogo não traz boas novas.
“Talvez seja possível estender um pouco nossa expectativa de vida média por meio de avanços na compreensão do envelhecimento”, explica Ramakrishnan. “Entretanto, prolongá-la além do nosso limite natural atual de cerca de 120 anos será extremamente difícil e não está claro se conseguiremos fazer isso em um futuro próximo.”
Ele cita o projeto New England Centenarian Study, o maior e mais antigo estudo do mundo sobre centenários. Lançado em 1994, em Boston, nos Estados Unidos, e liderado pelo médico Tom Perls, a pesquisa avalia o impacto da genética e dos fatores ambientais na expectativa de vida dos indivíduos.
Em 1950, globalmente, os centenários somavam 24 mil. Hoje, eles são cerca de 270 mil. E, até o fim do século 21, chegarão a 21 milhões, nas contas dos analistas da Organização das Nações Unidas (ONU).
O número de pessoas que ultrapassam os 110 anos, porém, se mantém estável. “Portanto, parece que existe um limite natural”, reforça o autor de Why we die.
O risco da estagnação das ideias
Mantida a tendência de queda nas taxas de natalidade, se todos nós vivêssemos muito tempo, as consequências seriam imprevisíveis — mesmo nos países mais ricos. “O que queremos como indivíduos não é necessariamente bom para a sociedade ou para o planeta”, defende Ramakrishnan.
A crise climática poderia se agravar, não haveria rotatividade entre as gerações e, do ponto de vista das ideias, as sociedades correriam o risco de estagnar. Sem falar nos custos previdenciários, que aumentariam sobremaneira, aprofundando as desigualdades.
“Se desenvolvêssemos tratamentos sofisticados contra o envelhecimento, os ricos sempre seriam os primeiros a se beneficiar, como já acontece hoje em dia”, afirma o biólogo. “Nesse ponto, pode-se até dizer que ter dinheiro é uma das melhores maneiras de se viver mais.”
Em nações como Reino Unidos e Estados Unidos, os mais abastados vivem de 10 a 20 anos a mais do que os mais pobres.
“Os ricos são os primeiros a se beneficiar da maioria dos avanços médicos”, lembra ele. “As estatinas [classe de remédios contra o colesterol alto, do fim dos anos 1980], por exemplo, eram caras quando foram lançadas, mas hoje são amplamente utilizadas e muito baratas. E você pode pensar nelas como um medicamento antienvelhecimento que previne doenças cardíacas e prolonga nossas vidas.”
Afinal, por que morremos? Ramakrishnan resume: “A evolução não se preocupa conosco como indivíduos, mas seleciona os mais aptos a passar seus genes adiante. Desde que você seja capaz de crescer, procriar e garantir que sua prole atinja a idade reprodutiva, a evolução não se importa com o que acontecerá com você.”
Enquanto isso, a melhor receita para aproveitar a vida ao máximo continua a ser o bom senso. Ter uma alimentação saudável, praticar exercícios físicos regulares, dormir bem, não abusar do álcool, jamais fumar, conviver com os amigos e a família, ter um propósito e estar em paz consigo mesmo.
Palavra de um Prêmio Nobel.