Entre as “excentricidades” levadas por Cristóvão Colombo, do Novo para o Velho Mundo, no século 15, estava o abacaxi. Na Europa, em especial na Inglaterra, a fruta de aparência estranha logo, hoje prosaica, se transformou em símbolo de status, iguaria de reis e rainhas.
No decorrer dos últimos 600 anos, porém, o abacaxi ganhou o planeta e se popularizou. Agora, uma companhia americana pretende levá-lo de volta à categoria de artigo de luxo, vendendo um único exemplar por US$ 400 (cerca de R$ 2 mil).
De casca vermelho rubi, polpa amarelo citrino e sabor “de um adocicado distinto”, diz quem já experimentou, a nova “joia da coroa” atende pelo nome de Rubyglow e demorou 15 anos para ser lapidada pela Fresh Del Monte — gigante de frutas e legumes frescos, fundada em 1886, em São Francisco, na Califórnia.
O Rubyglow acaba de chegar ao mercado americano, depois de ter sido lançado, em fevereiro, na China, em comemoração ano novo chinês. A nova variedade é resultado do cruzamento entre um abacaxi tradicional e o tipo Morada, que normalmente não se come, e é cultivada nas fazendas da Fresh Del Monte, na Costa Rica.
Da semeadura à colheita, cada Rubyglow exige dois anos de cuidados — os exemplares comuns são colhidos em torno de 15 meses. Para 2024, apenas 5 mil estão disponíveis para venda em todo o mundo. E, para 2025, estão programados 3 mil. Acredite: está tudo esgotado. A empresa abriu lista de espera para 2026.
Avaliada em US$ 1,1 bilhão e maior produtora global de abacaxi fresco, a Fresh Del Monte vem inventando novas variedades de abacaxi, desde 1990. A primeira delas foi a Del Monte Gold Extra Sweet, em 1996, com o dobro do dulçor das frutas convencionais.
Depois vieram o Honeyglow, com alta concentração de vitamina C, e o Pinkglow, de polpa cor de rosa. “Pinkglow ficará fenomenal em qualquer plataforma de mídia social”, anuncia a empresa, na apresentação do “abacaxi instagramável”.
Antes do Rubyglow, em março, foi a vez do Precious Honeyglow, com metade do peso do primeiro Honeyglow. A companhia de São Francisco “encolheu” o abacaxi pensando nas famílias cada vez menores, para evitar o desperdício, conta o CEO Mohammad Abu-Ghazaleh, em comunicado.
Reinventar o abacaxi fez bem aos cofres da Fresh Del Monte. “As vendas líquidas no quarto trimestre de 2023 aumentaram em US$ 5,9 milhões, em comparação ao mesmo período do ano anterior”, lê-se em relatório da companhia, divulgado em março passado.
O crescimento foi puxado pelas novas variedades, especialmente o Honeyglow e o Pinkglow, até então as mais caras. Na teleconferência dos resultados do segundo trimestre de 2023, realizada em agosto passado, conforme Abu-Ghazaleh, a demanda pela fruta cor de rosa superava a oferta. Só nos Estados Unidos, naquele período, as vendas do Honeyglow cresceram 50%.
Símbolo de profunda gratidão
No Ocidente, as frutas de luxo podem até deixar muita gente boquiaberta. Mas, não, no Japão. Pasmem, mas o abacaxi de US$ 400 não é nada perto dos valores que um punhado de morangos ou um cacho de uvas pode alcançar nos mercados e leilões japoneses.
O apreço pelas frutas perfeitas remonta à tradição milenar de oferecer presentes como expressão máxima de gratidão — tanto do ponto de vista social quanto religioso. No século 14, por exemplo, os samurais ofereciam tangerinas e melões ao xogum.
Tradicionalmente, as trocas de presentes acontecem no verão, durante o ochugen, e no inverno, no oseibo, quando as frutarias de grife exibem suas maravilhas como joias expostas em uma vitrine da Cartier ou da Van Cleef & Arpels.
Para os japoneses, a fruticultura é uma arte. Um reflexo da filosofia shokunin, segundo a qual todo artesão (sim, o agricultor é um artesão) está em constante processo de aprendizado, uma vida inteira dedicada à busca obsessiva por fazer cada vez melhor — sempre.
Nas cooperativas agrícolas, os produtores, em geral, só estão aptos a trabalhar sem a supervisão de seus mestres, depois de dois anos de treinamento. Durante esse período, eles aprendem como plantar, regar, colher, polir e, em alguns casos, até a massagear a fruta.
Em muitas culturas, como as de melão, os produtores seguem a técnica do ichiboku ikka — “uma árvore, uma fruta”. Graças a uma poda especial, o pé de melão, em vez de oito exemplares, produz apenas um fruto.
E, assim, um melão vira “o” melão, mais bonito, mais redondo, com mais sabor, aroma, cor e nutrientes. Em 2019, um par de Crown Melon, de paladar almiscarado, alcançou US$ 45 mil (quase R$ 232 mil, na cotação atual).
Avaliação rigorosa
O mesmo acontece com uma variedade enorme de frutas. Cultivadas apenas em Ishikawa, na região central do Japão, sob condições hipercontroladas, as uvas Ruby Roman são as mais caras do mundo. Suculentas, com pouca acidez e e alto teor de açúcar, cada baga pesa, em média, 20 gramas; o que faz um cacho custar cerca de US$ 450 (RS$ 2,3 mil).
No primeiro leilão da temporada de 2019, em julho, 24 uvas foram vendidas por US$ 11 mil (quase R$ 57 mil, em valores atuais). Mais de (inacreditáveis) US$ 450 por uma única Ruby Roman.
Os morangos são um espetáculo à parte. Parecem artificiais de tão perfeitos, no formato e na cor. O mais extravagante é, sem dúvida, o Pearl White. De um rosa bem claro, com pintinhas vermelhas, resultado do cruzamento entre uma variedade japonesa e outra americana, cada um não sai por menos de US$ 10 (R$ 50).
Há ainda as mangas Taiyo no Tamago (US$ 3,6 mil, a caixa com duas), as melancias quadradas de Zentsuji (entre US$ 100 e US$ 800, a unidade), as tangerinas de Ehime (US$ 500, o quilo)… e por aí vai.
Os japoneses desenvolveram um sistema ultrassofisticado de avaliação das frutas, no qual analisam a estética, claro, mas também outras características invisíveis aos olhos do consumidor, como o teor de açúcar e textura da polpa.
Para se ter ideia do rigor, continuemos no exemplo dos melões. Apenas um em mil é considerado de luxo. Como o consumo doméstico das frutas de grife parece não ter mais para onde crescer, as empresas começaram a exportar suas pequenas joias.
Uma das pioneiras na exportação é a Ikigai Fruits. Suas preciosidades chegaram recentemente aos Estados Unidos — o transporte impõe enormes desafios logísticos à empresa, de modo a garantir a excelência de seus morangos, melões e tangerinas. Mas isso é outra história.
Brincos Chanel, sapatos Ferragamo, casaco Hermès e morangos
Aos poucos, a requintada fruticultura japonesa torna-se conhecida no Ocidente. O movimento conta também com a ajuda do empreendedor japonês Hiroki Koga.
Em 2015, ele deixou Tóquio para fazer o MBA, na Universidade de Berkeley, na Califórnia, e ficou impressionando com a qualidade das frutas. também como os americanos tendem a priorizar a quantidade em detrimento da qualidade.
Dois anos depois, Koga cofundou a Oishii. Das fazendas verticais da agtech, em Nova Jersey, saem morangos cuja produção combina tecnologias de ultíssima geração com as práticas milenares da agricultura japonesa. A caixinha com seis morangos custa, em média, US$ 20 (em torno de R$ 100).
Na última rodada de financiamento, em fevereiro, a startup levantou US$ 134 milhões, elevando o total financiado para quase US$ 190 milhões, conforme a plataforma Crunchbase.
Em novembro passado, o jornal americano The Wall Street Journal colocou as frutas da Oishii na lista de presentes que fariam “alarde” e tornariam o Natal de 2023 “mais do que especial”.
Entre os outros mimos sugeridos, além dos morangos nada prosaicos, estavam um par de brincos de rubi e diamantes da Chanel; sapatos da Ferragamo, Saint Laurent e Miu Miu, e casacos da Brunello Cucinelli, Prada e Hermès.
Pelo jeito, os abacaxis, morangos, melões, melancias, mangas, uvas e tangerinas de luxo têm tudo para render bons frutos do lado de cá do planeta — pelo menos, entre os milionários dispostos a desembolsar uma pequena fortuna por uma dessas joias comestíveis.