GUARUJÁ (SP) – A semana marcada por uma polêmica envolvendo a equipe econômica e a classe empresarial, que gerou acusações contra a voracidade tributária do governo federal em razão de mudanças na MP da desoneração da folha de pagamento de 17 setores, chegou no sábado, 8 de junho, ao ápice durante os debates do Fórum Esfera Guarujá 2024.
O primeiro debate do dia foi marcado por críticas de Rubens Ometto, controlador e presidente do conselho de administração da Cosan, que refletiram as reclamações de boa parte do empresariado com as novas medidas anunciadas pela equipe econômica na terça-feira, 4 de junho, para compensar a perda de caixa do governo com a desoneração da folha de pagamento de 17 setores.
Na prática, a iniciativa – que vai gerar uma arrecadação extra de R$ 29,2 bilhões para o governo – foi vista pelos setores atingidos e pelo empresariado, de uma maneira geral, ao longo da semana, como uma tentativa canhestra da equipe econômica de aumentar os impostos e, de quebra, melhorar as contas fiscais do governo.
O tema voltou a ser abordado no debate que fechou o evento, mas dessa vez marcado por um tom mais conciliador, no qual ficou evidente a intenção de desassociar a questão da desoneração da discussão mais ampla sobre o cenário político e econômico do País.
O primeiro painel, que tinha um tema bem amplo (“Visões gerais da Nação”) foi aberto por uma fala de Camila Funaro Camargo, CEO da Esfera. A despeito do tom equilibrado, ela refletia em parte a insatisfação do empresariado.
Depois de destacar indicadores macroeconômicos relevantes de 2023 – como o crescimento do PIB em quase 3% e a inflação controlada abaixo do teto fixado -, Camargo citou problemas antigos que persistem, com reflexo direto no aumento da dívida pública em 2,5%, e na taxa de investimento, de 16%, a menor desde 2019.
“Isso indica o estrago que a incerteza política e econômica, além da insegurança jurídica e regulatória, pode causar no ânimo dos empreendedores”, afirmou.
No painel, com participação do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas; Bruno Dantas, presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) e o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, Ometto subiu o tom.
Após elogiar os avanços do Brasil após o Plano Real, o empresário disse preferir falar do que está errado e precisa ser corrigido: “Desde que o arcabouço fiscal foi lançado, não acreditei nele porque é baseado em permitir aumentar despesas na medida em que receitas aumentassem. É lógico que o governo trabalharia para aumentar receita e poder gastar mais.”
Ometto disse que esse movimento reflete a visão de fazer o governo gastar, e não reduzir dívida pública, acrescentando que é isso o que mantém o juro alto. “O governo está mordendo pelas bordas”, prosseguiu. “Eles estão mudando as normas e regulamentações para arrecadar mais, como na mudança no uso do crédito de PIS/Cofins. E quando se faz isso, desrespeita a lei e cria péssimo exemplo.”
Bruno Dantas, do TCU, adotou um tom mais ameno. “Hoje o que temos é o ministro da Fazenda buscando desesperadamente formas de cobrir rombos que são colocados no Congresso Nacional”, advertiu. “Quando 17 setores se sentam à mesa e buscam uma desoneração, imaginar que isso não vai cair no ombro da população é ingênuo.”
Mudança
No último debate, o tom mudou. O painel “O futuro da economia do Brasil” teve participação de nomes como o presidente Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central; Dario Durigan, secretário-executivo do Ministério da Fazenda; Aloizio Mercadante, presidente do BNDES; André Esteves, chairman do BTG Pactual; e os empresários Wesley Batista, acionista do Grupo J&F, e Rubens Menin, sócio-fundador da MRV.
Questionado sobre a MP do PIS/Cofins recentemente editada pelo governo, o secretário executivo da Fazenda disse que era preciso considerar o contexto.
“Essa MP não é isolada no tempo, temos um projeto no ministério de encontrar equilíbrio fiscal e não estamos brincando”, disse Durigan, lembrando que o governo cumpriu determinação do STF. “Não temos muitas opções: ou rever todos os benefícios, ou manter a oneração que está sendo feita, ou achar uma alternativa.”
Durigan encerrou sua fala afirmando que o governo está aberto ao diálogo, mas advertindo: “Não será possível cortar gastos para compensar benefícios tributários.”
Campos Neto ficou fora da polêmica, falando da questão do juro real elevado, respondendo a uma indagação do mediador, do jornalista William Waack, da CNN.
Mercadante, porém, deu início a uma série de intervenções dos participantes com tom mais moderado. Segundo ele, o Brasil passa por um momento favorável.
“A gente nunca tropeça na montanha, a gente tropeça na pedra”, disse. “Quem conhece Haddad sabe que vai sentar na mesa para encontrar uma solução, pois o único Risco Brasil que existe é de o investidor chegar e não ir embora.”
Esteves, do BTG Pactual, observou que o futuro da economia do Brasil passa pela questão fiscal e que o ministro Fernando Haddad está obstinado em entregar um quadro fiscal equilibrado.
“Dito isso, o estresse das últimas semanas também significa outra coisa importante: o mercado sinaliza que chegou num limite o aumento da carga tributária”, afirmou. “Então às vezes tem que tirar um pouco o debate político e se concentrar na racionalidade pois o Brasil está melhor que em qualquer momento da história.”
Menin, da MRV, foi na mesma linha: “A carga tributária chegou no limite, não tem como fazer mágica, os três Poderes precisam chegar a um consenso de como fazer um pacote tributário para realmente reduzir essa carga.”
Batista, da J&F, optou por uma fala otimista sobre o Brasil, reclamando do tom negativo da sociedade brasileira quando se discute o País. “Não tem um lugar que a gente vê tanto autoflagelo como a gente assiste no Brasil.”