As lições de tênis (e de vida) de Roger Federer

As lições de tênis (e de vida) de Roger Federer


Um dos maiores tenistas do planeta, o suíço Roger Federer definiu como “lições do tênis” seu discurso para os formandos de 2024 do Dartmouth College, em New Hampshire, nos Estados Unidos. Mas ele está errado — ou foi modesto demais.

Os 25 minutos do pronunciamento, naquela manhã chuvosa de domingo, 9 de junho, são uma aula de vida (o NeoFeed escolheu três lições no vídeo com legendas que está abaixo).

Longe dos torneios oficiais desde setembro 2022, aos 42 anos, o ex-atleta compartilhou a filosofia que o levou a sagrar-se oito vezes campeão de Wimbledon, ao terceiro lugar no ranking dos maiores vencedores de Grand Slam da história e ser um dos “big three” do tênis global, ao lado do amigo Rafael Nadal e de Novak Djokovic.

Um cartilha para dentro das quadras, claro, mas, sobretudo, fora delas, que pode ser acompanhada no documentário Federer: Doze Últimos Dias, com estreia prevista para o próximo dia 20, no Prime Video, a plataforma de streaming da Amazon.

Com bom-humor, graça e generosidade, diante de 11 mil pessoas (mais 7,7 mil via satélite), Federer garantiu que não existe conquista sem esforço — derrubando o mito de que “ganhava sem suar”,  o que sempre o frustrou muito.

Defendeu que a perfeição não existe — ele venceu 80% das 1.526 partidas jogadas, mesmo assim conquistou apenas 54% dos pontos disputados.

E, por fim, mostrou que o seu mundo sempre foi além das quadras.

Que as viagens, a cultura, as amizades e a família são infinitamente mais gratificantes do que a vitória de qualquer partida.

Sendo o tênis um esporte mental, Federer falou sobre foco e determinação, os ensinamentos trazidos pelas derrotas e a importância de se correr riscos, experimentar e se divertir.

Colocou-se lado a lado dos formandos e se disse também em um momento de transição. Os jovens, pelo fim da graduação, e ele, pela aposentadoria — palavra da qual, aliás, Federer não gosta.

Elogiado por sua elegância e gentileza, dentro e fora de quadra, o ex-tenista não foi a New Hampshire apenas para discursar. A universidade lhe concedeu o título de doutor em humanidades, por seu trabalho filantrópico. Em 2003, aos 22 anos, ele lançou a Roger Federer Foundation.

Criada na África do Sul, país natal de Lynette, mãe do esportista, a organização capacita crianças por meio da educação. Presente em seis países africanos e na Suíça, ao longo das últimas duas décadas, a entidade já atendeu quase 3 milhões de meninas e meninos e ajudou a formar 55 mil professores.

“Doutor’ Roger… De todas as minhas vitórias, essa deve ser a mais inesperada”, brincou ele, arrancando risos da plateia.

O NeoFeed selecionou os trechos mais importantes do discurso de Federer, como mostra a seguir:

Fora da zona de conforto

Só vim aqui para fazer um discurso, mas posso voltar para casa como “doutor” Roger. Esse é um bônus muito bom. “Doutor Roger’”… De todas as minhas vitórias, essa deve ser a mais inesperada.

Estou um pouco fora da minha zona de conforto hoje. Essa não é minha cena habitual e estas não são minhas roupas habituais. O manto é difícil de vestir.

Lembrem-se de que tenho usado shorts quase todos os dias, nos últimos 35 anos.

Aposentado, não. Graduado

Eu deixei a escola aos 16 anos para jogar tênis em tempo integral. Então, nunca fui para a faculdade, mas me formei recentemente. Me formei em tênis.

Eu sei que a palavra é “aposentar”: “Roger Federer se aposentou do tênis’” Aposentado… a palavra é horrível.

Vocês não diriam que se aposentaram da faculdade, certo? Parece terrível.

Assim como vocês, terminei uma grande tarefa e estou passando para a próxima. Assim como vocês, estou descobrindo o que é isso.

O título de “doutor em humanidades” foi concedido pelo Dartmouth College, pelo trabalho do ex-tenista à frente da Roger Federer Foundation, que, nos últimos 20 anos, atendeu cerca de 3 milhões de crianças na Suíça e em seis países africanos, como em Lesoto, na imagem (Reprodução Instagram @rogerfederer)

“A verdade é que tive de trabalhar muito para que tudo parecesse fácil. Passei anos choramingando, xingando, jogando minha raquete, antes de aprender a manter a calma”, disse Federer, contra a tese de que ele “vencia sem suar” (Reprodução Instagram @rogerfedererfansforever)

“Formandos, sinto sua dor. As pessoas me perguntam: ‘Agora que você não é tenista profissional, o que você faz?’ Eu não sei— e não há problema em não saber”, afirmou ele. Na imagem, os amigos Federer e Nadal choram, durante a cerimônia na qual o suíço anunciou o afastamento das competições oficiais, em setembro de 2022 (Crédito: Reprodução @lavercup.com)

“Para mim, uma das maiores derrotas foi a final de Wimbledon, em 2008. Eu versus Nadal. Alguns consideram-no o melhor jogo de todos os tempos. Perder em Wimbledon foi muito importante, porque vencer em Wimbledon é tudo”, contou Federer (Reprodução wimbledon.com)

Junto com Rafael Nadal (no centro) e Novak Djokovic (à direita), Federer formou o “big three” do tênis global (Reprodução Instagram @barstoolgambring)

“Uma família é uma equipe. Sinto-me muito sortudo por minha incrível esposa Mirka e nossos quatro filhos incríveis, Myla, Charlene, Leo e Lenny”, elogiou o suíço (Reprodução Instagram @rogerfeder)

“Aprendi essa forma de pensar com os melhores… meus pais. Eles sempre me apoiaram, sempre me incentivaram e sempre entenderam o que eu mais queria e precisava ser”, afirmou Federer, que aparece na imagem com a mãe Lynette e o pai Robert (Reprodução Instagram @rogerfederer)

Formandos, sinto sua dor. As pessoas me perguntam: “Agora que você não é tenista profissional, o que você faz?” Eu não sei— e não há problema em não saber.

Então, o que eu faço com meu tempo? Primeiro sou pai, então acho que levo meus filhos para a escola. Jogo xadrez online contra estranhos. Passo aspirador na casa. Estou adorando a vida de um graduado em tênis.

Eu me formei em 2022 e vocês, em 2024, portanto, tenho uma vantagem para responder à pergunta sobre o que vem a seguir. Hoje, quero compartilhar algumas lições nas quais confiei durante essa transição.

Espero que sejam úteis para vocês, para além de Dartmouth.

O mito do “sem esforço”

“Sem esforço” é um mito. Digo isso como alguém que já ouviu muito essa expressão.

As pessoas diziam que meu jogo era fácil. Na maioria das vezes, elas estavam me elogiando. Mas costumava me frustrar quando comentavam: “Ele quase não suou!” ou “Ele está mesmo tentando?”

A verdade é que tive de trabalhar muito para que tudo parecesse fácil. Passei anos choramingando, xingando, jogando minha raquete, antes de aprender a manter a calma.

Ganhei essa reputação porque meus aquecimentos nos torneios eram tão casuais que as pessoas não achavam que eu estava treinando duro. Mas eu estava trabalhando duro — antes do torneio, quando ninguém estava olhando.

Espero que, como eu, vocês tenham aprendido que “sem esforço” é um mito. Não cheguei aonde cheguei apenas com talento. Cheguei lá tentando superar meus adversários.

Eu acreditei em mim mesmo. Mas a crença em si mesmo tem de ser conquistada.

O prazer das vitórias mais difíceis

Houve um momento em 2003 em que minha autoconfiança realmente entrou em ação. Foi no ATP Finals, onde apenas os oito melhores jogadores se classificaram.

Derrotei alguns dos melhores tenistas focando em seus pontos fortes. Antes eu fugia dos pontos fortes deles. Se um cara tivesse um forehand forte, eu tentaria acertar o backhand dele.

Mas agora, eu tentaria ir atrás do forehand dele. Tentei vencer os atacantes atacando.

Eu me arrisquei fazendo isso. Então por que eu fiz isso?

Para amplificar meu jogo e expandir minhas opções. Você precisa de todo um arsenal de forças, para que. então, se uma delas falhar, você ainda ter alguma coisa. A verdade é que tive de trabalhar muito para que tudo parecesse fácil.

Quando o seu jogo está funcionando assim, vencer é relativamente fácil.

Mas, há dias em que você simplesmente se sente quebrado. Suas costas doem, seu joelho dói… talvez você esteja um pouco doente… ou com medo. Mas você ainda encontra uma maneira de vencer.

E essas são as vitórias das quais mais podemos nos orgulhar. Porque provam que você pode vencer não apenas quando está no seu melhor, mas especialmente quando não está.

Disciplina como talento

Sim, o talento é importante. Não vou dizer que não. Mas talento tem uma definição ampla. Na maioria das vezes, não se trata de uma dádiva. É uma questão de ter coragem.

No tênis, um ótimo forehand com uma velocidade incrível na cabeça da raquete pode ser chamado de talento.

Mas no tênis, como na vida, a disciplina também é um talento. E a paciência também. Confiar em si mesmo é um talento. Abraçar o processo, amar o processo, é um talento.

A pior derrota

Você pode trabalhar mais do que imaginou ser possível e ainda assim perder.

O tênis é brutal. Não há como negar o fato de que todos os torneios terminam da mesma maneira: um jogador ganha um troféu. Todos os outros jogadores voltam para o avião, olham pela janela e pensam: “Como diabos eu perdi?”

Imagine se, hoje, apenas um de vocês tivesse um diploma. Parabéns, formando de 2024! Ao resto de vocês, os outros mil, mais sorte para vocês da próxima vez!

Para mim, uma das maiores derrotas foi a final de Wimbledon, em 2008. Eu versus Nadal. Alguns consideram-no o melhor jogo de todos os tempos. OK, todo respeito a Rafa, mas acho que teria sido muito melhor se eu tivesse vencido.

Perder em Wimbledon foi muito importante, porque vencer em Wimbledon é tudo.

Perdi Wimbledon. Perdi minha classificação número um. Mas eu sabia o que tinha de fazer: continuar trabalhando, continuar competindo.

Os 54% de pontos

No tênis, a perfeição é impossível. Nas 1.526 partidas de simples que disputei em minha carreira, ganhei quase 80% delas.

Agora, tenho uma pergunta para todos vocês: ‘Qual a porcentagem de pontos que vocês acham que eu ganhei nessas partidas? Apenas 54%.

Em outras palavras, mesmo os tenistas mais bem classificados ganham pouco mais da metade dos pontos que jogam.

Quando você está jogando, um ponto é a coisa mais importante do mundo. Essa mentalidade é realmente crucial, porque libera você para se comprometer totalmente com o próximo ponto e o próximo depois disso, com intensidade, clareza e foco. Os melhores do mundo não são os melhores porque ganham todos os pontos.

A verdade é que, seja qual for o jogo que você jogue na vida, às vezes você vai perder. Um ponto, uma partida, uma temporada, um trabalho… é uma montanha russa, com muitos altos e baixos.

Os melhores do mundo não são os melhores porque ganham todos os pontos. É porque sabem que vão perder uma vez ou outra e aprenderam a lidar com isso. Você aceita isso.

Chore se precisar, mas depois force um sorriso. Siga em frente. Seja implacável. Adapte-se e cresça. Trabalhe mais. Trabalhe de maneira mais inteligente.

Muito além das quadras

Uma quadra de tênis é um espaço pequeno. 2.106 pés quadrados [196 m², aproximadamente], para ser exato. Trabalhei muito, aprendi muito e corri muitos quilômetros naquele pequeno espaço.

Mas o mundo é muito maior que isso. Mesmo quando eu estava começando, eu sabia que o tênis poderia me mostrar o mundo, mas o tênis nunca poderia ser o mundo

Eu sabia que, se tivesse sorte, talvez pudesse jogar competitivamente até os 30 ano, talvez até 41. Mas mesmo quando estava entre os cinco primeiros, era importante para mim ter uma vida.

Uma vida gratificante, cheia de viagens, cultura, amizades e principalmente família. Nunca abandonei as minhas raízes, e nunca esqueci de onde vim. Mas também nunca perdi o apetite de ver esse mundo tão grande. O tênis nunca poderia ser o mundo.

Minhas experiências fora das quadras são as que levo adiante. Os lugares que pude conhecer, a plataforma que me permite retribuir e, acima de tudo, as pessoas que conheci ao longo do caminho.

O tênis, como a vida, é um esporte coletivo. Sim, você está sozinho do seu lado da rede. Mas o seu sucesso depende da sua equipe. Seus treinadores, seus companheiros de equipe, até mesmo seus rivais. Todas essas influências ajudam a fazer de você quem você é.

Uma família é uma equipe.

Graduandos, sei que o mesmo se aplica a vocês. Ao sair para o mundo, não se esqueçam: vocês podem trazer tudo isso com vocês. Essa cultura, essa energia, essas pessoas, esse verde [a cor da universidade].

De um graduando para outros

Estou aqui para lhes dizer que deixar um mundo familiar para trás e encontrar novos é incrivelmente profundo e maravilhosamente excitante.

De um graduando para outro, seja qual for o jogo que você escolher, dê o seu melhor. Experimente tudo.

E acima de tudo, sejam gentis uns com os outros. Divirtam-se.





Fonte: Agência Brasil

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