A controversa reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, realizada no início de maio, trouxe uma decisão inédita. Pela primeira vez desde a autonomia do órgão, a votação foi dividida (5×4) sobre o ritmo de redução da taxa de juros.
E mais: pela primeira vez em 11 anos o presidente e o diretor de política monetária votaram de forma distinta. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, deu voto decisivo pelo corte de 0,25 ponto percentual (p.p.) da taxa Selic, enquanto Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária do órgão encabeçava o grupo alinhado ao governo federal dentro do BC favorável à manutenção do corte de 0,50 p.p. Esse comportamento incomodou todo o mercado financeiro.
Principais protagonistas do “racha” na votação do Copom, eles participaram de eventos diferentes na manhã de quinta-feira, 6 de junho. Mas, desta vez, alinharam o discurso: o que preocupa o BC são as expectativas de inflação, afirmando que elas estão piorando tanto para 2024 quanto para 2025.
“A inflação corrente tem vindo comportada, mas as expectativas estão desancorando”, advertiu Campos Neto, ao participar do MKBR24, evento da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e da B3.
“Tem alguns ruídos que têm contribuído para isso, tem uma parte externa, uma parte fiscal, uma parte de discussão da condição para atuação da política monetária, a transição na presidência do BC, de aprovação de medidas [reformas], tem várias coisas juntas”, acrescentou o presidente do BC.
Galípolo, que participou pouco depois de um evento organizado pelo banco BTG Pactual, que tinha na plateia estudantes classificados para a etapa final da Olimpíada Brasileira de Economia (Obecon), foi na mesma linha: “A desancoragem das expectativas de inflação coloca a política monetária brasileira em ponto mais delicado”, disse ele.
O diretor de Política Monetária do BC fez questão de elogiar a fala de Campos Neto no evento anterior: “O Roberto conseguiu colocar com clareza quais são os trade offs e tendências que estamos considerando, que não apontam para o mesmo lado: a dissonância entre uma inflação corrente que se mostra benigna e a expectativa de desancoragem de inflação, que vem incomodando.”
Galípolo disse que entre as variáveis possíveis para esse quadro está o mercado de trabalho apertado, que lembrou ter sido citado por Campos Neto no outro evento. “Mas como consta na comunicação oficial do BC, não encontramos um link do aquecimento do mercado de trabalho e o repasse para o processo inflacionário”, acrescentou.
Desde a votação dividida, tanto Campos Neto quanto Galípolo têm negado que exista divergências relevantes entre os nove integrantes do Copom. Como em outros eventos mais recentes que participou após a votação dividida do Copom, o diretor do BC foi mais uma vez incisivo em deixar isso claro.
Galípolo elogiou o “diálogo franco e aberto” entre os diretores do BC. “Por isso vejo muito valor no consenso, não só agora, devido a uma razão conjuntural: é mais difícil errar em nove pessoas do que sozinho”, disse.
Ele voltou a justificar seu voto pela manutenção do corte de 0,5 pp na última reunião do Copom por não se sentir confortável em abandonar o “forward guidance” — a orientação futura — usado anteriormente nas decisões do colegiado.
Convergência
Campos Neto, por sua vez, afirmou que a inflação está em processo de convergência, destacando que os últimos dados divulgados pelo IBGE foram “bons”, inclusive serviços.
“A inflação de serviços, a parte mais intensiva em mão de obra, os números vieram melhor que o esperado”, disse. “Na parte de inflação corrente no Brasil, olhando a foto, que é basicamente olhar o retrovisor, tem números que apontam convergência.”
Ao abordar a política fiscal do governo, o presidente do BC foi cauteloso. Admitiu que ela vem sendo questionada pelo mercado, mas que o governo tem reagido, lembrando a aprovação do arcabouço fiscal.
Campos Neto disse que a revisão das metas fiscais trouxe “um pouco de prêmio de risco” na curva longa, ainda que fosse algo precificado na curva de juros. “O governo tem falado recentemente de medidas alternativas, como desindexação e desvinculação, que são medidas muito boas em termos de choque, mas precisa entender o que isso significa para o prêmio de risco”, ponderou.
No final do evento, na sessão de perguntas e respostas, Campos Neto foi direto ao ser questionado sobre o que sugeriria para seu sucessor: “Ser técnico, saber dizer “não” e entender que crescimento sustentável precisa promover inclusão e ter sustentabilidade.”